RESENHA BD
Tangerina, de Rita Alfaiate
01-10-2019
Mais uma excelente edição vinda da Escorpião Azul, o que torna este livro uma dupla surpresa. É em si uma excelente obra de banda desenhada, e é coisa rara que um livro desta editora seja uma leitura tão completa. Talvez seja preconceito meu, alimentado por boa parte dos seus livros parecerem ter zero de edição, de trabalho de aconselhamento ao autor para melhoria gráfica e narrativa. Algo que este Tangerina não sofre, por ser um trabalho necessariamente cuidado, desenvolvido como sequência da tese de mestrado da autora.
Desconheço como se processa a orientação de teses em Belas Artes, mas suspeito que não deverá ser muito diferente das outras áreas. Requer um cuidado trabalho de aconselhamento e progressiva melhoria até estar considerado terminado e pronto a apresentar. Isto, se se tiver sorte com o orientador de tese, claro. Apesar do rigor do contexto académico, no fundo o trabalho é similar ao da verdadeira edição, que não é só pegar nas pranchas e levar à gráfica.
Eu sei. Um destes dias arrisco-me a ser encurralado num beco escuro pela malta da Escorpião Azul, que se poderão desforrar fisicamente das minhas eternas críticas ao seu trabalho. Mas se as faço, é porque como leitor me sinto algo defraudado pelas suas edições. Prometem estar próximas da edição de banda desenhada, dão espaço editorial aos novos talentos da BD portuguesa (e isso é tão fundamental), mas na verdade boa parte do que editam estaria mais à vontade num fanzine do que em edição tradicional. Tanto que por lá leio me dá a sensação que não está ready for prime time, a precisar de um olhar que ajude a melhorar e evoluir. Mas apesar das suas falhas, ainda bem que editam. De outra forma, seria quase impossível o trabalho destes novos autores chegar à edição. E no caso de Rita Alfaiate, está mais do que ready for prime time.
Mais uma excelente edição vinda da Escorpião Azul, o que torna este livro uma dupla surpresa. É em si uma excelente obra de banda desenhada, e é coisa rara que um livro desta editora seja uma leitura tão completa. Talvez seja preconceito meu, alimentado por boa parte dos seus livros parecerem ter zero de edição, de trabalho de aconselhamento ao autor para melhoria gráfica e narrativa. Algo que este Tangerina não sofre, por ser um trabalho necessariamente cuidado, desenvolvido como sequência da tese de mestrado da autora.
Desconheço como se processa a orientação de teses em Belas Artes, mas suspeito que não deverá ser muito diferente das outras áreas. Requer um cuidado trabalho de aconselhamento e progressiva melhoria até estar considerado terminado e pronto a apresentar. Isto, se se tiver sorte com o orientador de tese, claro. Apesar do rigor do contexto académico, no fundo o trabalho é similar ao da verdadeira edição, que não é só pegar nas pranchas e levar à gráfica.
Eu sei. Um destes dias arrisco-me a ser encurralado num beco escuro pela malta da Escorpião Azul, que se poderão desforrar fisicamente das minhas eternas críticas ao seu trabalho. Mas se as faço, é porque como leitor me sinto algo defraudado pelas suas edições. Prometem estar próximas da edição de banda desenhada, dão espaço editorial aos novos talentos da BD portuguesa (e isso é tão fundamental), mas na verdade boa parte do que editam estaria mais à vontade num fanzine do que em edição tradicional. Tanto que por lá leio me dá a sensação que não está ready for prime time, a precisar de um olhar que ajude a melhorar e evoluir. Mas apesar das suas falhas, ainda bem que editam. De outra forma, seria quase impossível o trabalho destes novos autores chegar à edição. E no caso de Rita Alfaiate, está mais do que ready for prime time.
O que me agarrou ao primeiro desfolhar de páginas foi o fortíssimo grafismo desta autora. "Ah, que livro é esse com desenhos tão mangá", disseram-me quando me viram com ele na mão. De facto, a influência estética nipónica está bem patente nesta obra, o que não me surpreende. As novas gerações aprenderam o poder da imagem vendo anime e lendo mangá, tal como anteriores o fizeram através dos Comics ou estilo Franco-belga. Vejo essa influência a ser transmutada para o papel naqueles meus alunos que evidenciam maior potencial artístico. É a cultura e o estilo que os seduziu.
Mas desenganem-se se acharem que este é mais um daqueles livros a imitar o estilismo mangá. O traço de Rita Alfaiate é maduro e pessoal, deve muito à iconografia japonesa mas evoluiu para estilo individual de autora. É fluído, e algumas vezes, quando é preciso, agressivo e incómodo. E sempre expressivo.
A história é outra boa surpresa, um registo muito tenebroso de horror puro. A jovem protagonista irá cruzar-se com monstros, não os do sono da razão, mas dos mitos e do gosto pelo sangue na alma humana. O que parece ser uma história de inadaptação, de uma criança deslocada para um novo ambiente com dificuldades em integrar-se numa nova terra, evolui discretamente para horror puro. Mal sentimos esse caminho, mesmo quando percebemos, no final da narrativa, que a autora nos deixou uma enorme pista sobre o que nos queria realmente contar logo no início. Tangerina, neste aspeto, fez-me lembrar I Kill Giants, com edição portuguesa da Kingpin, embora (atenção ao gigantesco spoiler) a combatente dos monstros acabe por ser mais uma vítima do grande monstro do livro de Rita Alfaiate.
Grafismo sólido, expressivo e sedutor, uma história de horror com evolução subtil. Tangerina é uma excelente obra nos níveis estético e narrativo. Acima de tudo, é uma boa leitura, daquelas que agarra o leitor e perdura na memória após o virar das últimas páginas.
Artur Coelho
Mas desenganem-se se acharem que este é mais um daqueles livros a imitar o estilismo mangá. O traço de Rita Alfaiate é maduro e pessoal, deve muito à iconografia japonesa mas evoluiu para estilo individual de autora. É fluído, e algumas vezes, quando é preciso, agressivo e incómodo. E sempre expressivo.
A história é outra boa surpresa, um registo muito tenebroso de horror puro. A jovem protagonista irá cruzar-se com monstros, não os do sono da razão, mas dos mitos e do gosto pelo sangue na alma humana. O que parece ser uma história de inadaptação, de uma criança deslocada para um novo ambiente com dificuldades em integrar-se numa nova terra, evolui discretamente para horror puro. Mal sentimos esse caminho, mesmo quando percebemos, no final da narrativa, que a autora nos deixou uma enorme pista sobre o que nos queria realmente contar logo no início. Tangerina, neste aspeto, fez-me lembrar I Kill Giants, com edição portuguesa da Kingpin, embora (atenção ao gigantesco spoiler) a combatente dos monstros acabe por ser mais uma vítima do grande monstro do livro de Rita Alfaiate.
Grafismo sólido, expressivo e sedutor, uma história de horror com evolução subtil. Tangerina é uma excelente obra nos níveis estético e narrativo. Acima de tudo, é uma boa leitura, daquelas que agarra o leitor e perdura na memória após o virar das últimas páginas.
Artur Coelho
Tangerina
Autor: Rita Alfaiate
Editora: Escorpião Azul
Ano de edição: 2019
Páginas: 80 páginas, capa mole
Preço: 11,50€