ENTREVISTA COM RAFAEL COUTINHO
2015-12-08
Rafael Coutinho é um autor de BD brasileiro. Fundou a prestigiada editora Nerval comix e o site Nébula.
É possível aceder a mais informação no blogue do autor em http://raffa-bingo.blogspot.pt/.
Rafael Coutinho é um autor de BD brasileiro. Fundou a prestigiada editora Nerval comix e o site Nébula.
É possível aceder a mais informação no blogue do autor em http://raffa-bingo.blogspot.pt/.
Biografia
Rafael Coutinho (São Paulo, 1980) é um desenhador de BD, pintor e animador brasileiro, filho do também célebre Laerte Coutinho, com quem colaborou no álbum Muchacha (2010).
Iniciou a carreira como animador no site Cybercomix e fez as animações dos clipes “Chapa Coco”, do rapper Xis, vencedor do prémio de melhor curta de rap no festival da MTV de 2002, e "Uhuhuhlalalaiéié”, da banda Pato Fu. Em 2006, ilustrou a curta Aquele cara (2006), com roteiro baseado numa história do seu pai.
Começou a carreira profissional aos 16 anos, desenhando o storyboard do filme Bicho de 7 Cabeças (2001), da directora Laís Bodanzky. Formado em Artes Plásticas pela Unesp em 2004, participou no coletivo de artistas Base-V, que produziu vários trabalhos experimentais, murais e exposições.
Muitas das suas histórias em BD foram publicadas nas antologias Bang Bang e Irmãos Grimm (2007). Como autor de BD, a sua obra mais importante foi a novela gráfica Cachalote (2010), criada em colaboração com o escritor Daniel Galera. Tem feito um trabalho notável com a editora Narval Comix, muito elogiado pela critica. Esteve na origem e criação do site Nébula.
Iniciou a carreira como animador no site Cybercomix e fez as animações dos clipes “Chapa Coco”, do rapper Xis, vencedor do prémio de melhor curta de rap no festival da MTV de 2002, e "Uhuhuhlalalaiéié”, da banda Pato Fu. Em 2006, ilustrou a curta Aquele cara (2006), com roteiro baseado numa história do seu pai.
Começou a carreira profissional aos 16 anos, desenhando o storyboard do filme Bicho de 7 Cabeças (2001), da directora Laís Bodanzky. Formado em Artes Plásticas pela Unesp em 2004, participou no coletivo de artistas Base-V, que produziu vários trabalhos experimentais, murais e exposições.
Muitas das suas histórias em BD foram publicadas nas antologias Bang Bang e Irmãos Grimm (2007). Como autor de BD, a sua obra mais importante foi a novela gráfica Cachalote (2010), criada em colaboração com o escritor Daniel Galera. Tem feito um trabalho notável com a editora Narval Comix, muito elogiado pela critica. Esteve na origem e criação do site Nébula.
Entrevista
Pode falar-nos da Narval Comix, a sua editora de BD?
Somos uma editora independente brasileira focada em livros alternativos aos que se têm acesso nas livrarias brasileiras. Fundei a editora há seis anos atrás e desde então fizemos uma boa variedade de testes e experiências editoriais, tanto na forma de se publicar, com livros tamanho pôster A2, como no jeito de se vender e escoar no mercado. Sempre busquei autores que estavam fazendo coisas que me impressionavam muito e que não estavam sendo publicados nas editoras estabelecidas, e buscamos sempre por formas de não acabar com a vida do autor em um processo de anos fazendo um livro enorme sem dinheiro, o que parece ser a única forma de editores e livrarias pensarem em quadradinhos hoje em dia.
A Narval comix já passou por períodos dramáticos?
Todos nós, querido. Dizem que fortalece o caráter.
Como caracteriza o atual momento da BD brasileira?
O melhor da história da produção, com os vernizes da época e dos novos tempos. Pouco dinheiro, mas muita energia e envolvimento. Muita produção, ideias, feiras e atividade em redes sociais. Mas é muito evidente o crescimento do mercado e a quantidade de bons autores apresentando belíssimos trabalhos é enorme. Há contudo uma grande dificuldade dos autores se firmarem, criarem um corpo de trabalho que seja sólido, o famoso "um livro após o outro". Temos ainda muita dificuldade em concluir histórias mais longas, por conta da realidade financeira desse mercado em expansão. E não me refiro só aos valores que pagam aos autores, mas as vendas/distribuição dos livros e espaço em mídia. Esse tripé ainda não para já muito em pé no país. E claro, temos a evidente dificuldade de nos exportar por aí, por conta da língua, mas isso tudo já está num nível bem diferente por conta da internet.
A Catarse (crowdfounding) tem sido uma lufada de ar fresco para a BD brasileira? Incentivando novos projectos?
Não é a solução final, mas uma delas. com certeza. Existe uma saturação, mas é claro que a coisa continua, e bem. São muitos nomes, muita gente tentando captar, o que mantém a coisa muito ativa. O que eu acho é que ficou claro que houve um momento onde o Facebook realmente viabilizava esse contato entre artista e apoiador, e hoje em dia há apenas uma fresta aberta dessa porta. Estamos nesse momento, e sem uma saída aparente, reféns da plataforma. Não sei quanto tempo isso vai rolar, mas os financiamentos coletivos expandiram (como o Patreon e Kikante) e já se tornaram bem diferentes de cinco anos atrás, e isso continuará se expandindo nos próximos anos, creio.
Pode falar-nos sobre a Nébula?
Foi um site que criamos em parceria com o Medium. A parceria durou seis meses e tivemos total liberdade para criar a partir da ideia de quadradinho e jornalismo juntos. Parámos com as postagens no mês passado, porque a parceria chegou ao fim. Ainda tenho muito interesse em continuar, e acredito que o site refletiu a fome dos artistas brasileiros em experimentar e criar conteúdo digital de quadradinhos.
Quais são os autores de BD que mais o influenciaram?
Foram Michelanxo Prado, Moebius, Jaime Hernandez, Tayio Matsumoto. Meu pai também. Breccia. Essa geração de 80 foi muito forte na minha formação. Hoje em dia, acho que o Gipi e o Tayio. Tenho ficado muito impressionado com Ruppert e Mullot, Blain, Jillian Tamaki, Peeters. Sou muito ligado em quadradinho realista, o que é quase óbvio. E aí vejo esses catálogos da Fremok ou o trabalho do Diego Gerlach aqui do Brasil e penso: ”porque não tenho essa coragem de romper com o tradicional?” Acho meu quadradinho muito comportado ainda.
Como é a relação com o seu pai e como ele o influenciou a lançar-se no mundo da BD?
Somos muito próximos e confesso que não sei dizer ao certo. Ele sempre me apoiou muito e tudo mais, mas é quase bobo eu dizer que foi assim, fácil. É um processo muito complexo esse de se tornar quadrinista, é lento e acontece em períodos afastados, de formas diferentes. Psra mim houve um período de juventude, que foi cheio de energia e fanzines e festas e conversas acaloradas em bares com amigos, mas muito distante do que hoje conheço como “vida de quadrinista”, e outros tantos, pausados e conduzidos por livros e histórias curtas. Tive loja de quadradinhos, e aí montei a editora, e por um bom tempo fui o autor do Cachalote. O que não era algo completo, sabe? Era um bom resultado, e me representava bastante, mas busquei muita coisa nesse tempo: fui pintor, fui animador, fiz curtas por um longo período, tive um coletivo de experimentação gráfica. Ele sempre foi muito próximo, sempre se entusiasmou, e fizemos muitos projetos juntos nesse período.
Muitas vezes você assume um papel de curadoria em muitos projetos relacionados com BD. Sente que tem talento para organizador? Ou é mais uma necessidade?
Sim, acho que tenho sim. Gosto muito dessa parte e me fala num lugar muito íntimo, onde vejo tudo como uma construção coletiva, maior. Desde que comecei a fazer isso com mais seriedade, percebi que havia lacunas nessa cena que cabia a todos nós completar. E acredito que tenho um papel nisso tudo, e busco exercer. E tenho prazer, claro, gosto de editar e juntar e pensar nessa "macro-coisa".
Pode falar-nos um pouco sobre o álbum Cachalote?
Foi o meu primeiro grande livro, meu projeto mais extenso, feito todo em parceria com o meu hoje amigo Daniel Galera. Ficámos amigos no dia em que decidimos fazer o livro, e acho que a história é fruto desse processo de conhecer um ao outro e tentar construir essa multi-trama.
Partimos de alguns pontos em que acreditávamos bastante, como a ideia de fazer histórias que estivessem contidas sob um mesmo guarda-chuva narrativo, mas que não se encostassem, e chegámos às ideias principais com certa rapidez, mas confesso que muitos dos detalhes dessa produção já nos escapam. Foi muito complexo e nada ortodoxo, mas fizemos com muito rigor, nos encontrando regularmente, organizando cada passo, etc. Difícil resumir, mas tenho muito orgulho do resultado, foi um livro muito importante para ambos naquele momento. Trabalhar com o Galera, conhecer o método de trabalho dele, o tamanho da entrega dele ao “contar histórias”, foi bem forte para mim, mudou o meu trabalho profundamente.
Nota-se que existe uma forte influência cinematográfica nesse álbum.
Ambos gostámos muito, trocámos muitos filmes na época, assistimos a alguns juntos. Discutimos cenas e enredos, era algo forte no processo. Para mim sempre foi muito próximo ao quadradinho.
Aprecia mudar frequentemente de estilo de desenho no seu trabalho de ilustrador e autor de BD? Procurando novas soluções criativas?
Sim, gosto bastante. Sinto que ainda tenho que testar muita coisa, e não é algo que faço por capricho ou recurso estilístico. Gosto desse vai e vem, compreendo muita coisa assim. E acho que, no fundo, me faz sentir em movimento, aprendendo e criando. O processo criativo para mim não pode ser a reprodução de uma fórmula. Quando vejo que estou fazendo a mesma solução ou caí na mesma construção de enredo e plot, me sinto medíocre. Tem que ser novo e melhor, sempre, e conter algo que não sei o que é.
Como tem corrido a internacionalização da sua carreira?
Tem sido boa. Recebo bons elogios e e-mails, e acho que as propostas mais contundentes têm aparecido agora. Me fechei também nesses últimos anos, terminando histórias que vinha fazendo desde o fim da Cachalote. Desde a tradução para o Francês do Cachalote, sinto que o retorno apareceu mais. Mas confesso que não direciono minha carreira para que ela se internacionalize. Preciso concluir os projetos, encontrar novos, conhecer autores, criar boas histórias. Há muito em jogo sempre, não sou um autor que planeia tranquilamente sua carreira projeto após projeto, e sei que se tivesse feito isso estaria produzindo muito mais pro exterior do que por cá. Estou muito grato pelas parcerias que desenvolvi aqui e acho que o mercado brasileiro não deve em qualidade a nenhum outro. Ele é apenas meio fechado para a língua portuguesa. Como mencionei, assumi muito um papel aqui na cena independente brasileira, montando a editora e conduzindo projetos aqui, e fiz quase como uma militância mesmo. E ainda estou muito envolvido, o que coloca essa condução de carreira em segundo plano.
Mas sinto que há um ciclo aí se fechando para mim, e preciso agora de voltar a pensar nisso com calma. Terminei agora dois livros, um deles sendo a série “O Beijo Adolescente”, que chegou à sua terceira parte. Quero fazer até a nona, mas acho que seria bom fazer uma pausa e buscar por um livro para fora. O “Mensur” foi o outro, um livro longo que fiz sozinho desde o fim da Cachalote e agora está terminado, e confesso que está sendo muito bom não acordar em dívida com nenhum investidor ou editor, e principalmente comigo mesmo.
O que acha que falta para a BD conquistar um maior reconhecimento da sociedade em relação a outras artes?
Que sociedade? Não acho que precisemos de mais nada. A BD não existe como entidade maior, no meu ver. Somos e estamos unidos nesse savoir-faire, e há um senso de fraternidade que nos une, bonito e forte, creio. Mas dizer que mais grana ou mais distribuição ou mais isso ou aquilo é muito abstrato. Não somos o cinema, não somos teatro. Dependemos de leitores, então acho que mais fomento à leitura, mais educação talvez. Mas como linguagem, BD é BD, não deve nada a ninguém, e muito menos os seus profissionais.
O que conhece da BD portuguesa?
Pouco. Estive no Festival da Amadora há uns anos atrás, e o que vi pareceu-me muito bom. Gosto do Pedro Moura mais do que dos autores (hahaha!). E acompanho muito as empreitadas da cena indie, como a Chilli com Carne e o Pepe. Mas sempre me cai nas mãos algo português incrível que digo ”uau”. Tempos atrás havia uma revista enorme em tamanho, que era de babar. Mas fugiu-me o nome agora.
Quais são os os seus projectos futuros?
Isso tudo, a continuação, acho. Será um ano diferente, o meu segundo filho nasce agora no fim do ano. Devo continuar com a editora, produziremos mais uma compilação do Melhor Quadradinho Brasileiro, e se tudo der certo, farei parte de um projeto grande com o meu pai e um grande quadrinista daqui chamado Angeli, amigo dele. Quero fazer um outro livro, e tudo indica que será para o mercado francês, e há outros dois projetos grandes que não sei para onde vão ainda. Mas preciso de acalmar, sei que será um ano forte e difícil para a nossa economia. E impus um ritmo muito acelerado nos últimos anos, com muita coisa ao mesmo tempo, o que pretendo diminuir um pouco.
Autor: Sérgio Santos.
Futuramente continuarão a ser publicadas entrevistas referentes a várias personalidades de destaque ligadas ao universo da BD.