ENTREVISTA COM MARCELLO QUINTANILHA
2015-06-29
Marcello Quintanilha (Niterói, 1971), conhecido também pelo pseudónimo de Marcello Gaú, é um autor de BD brasileiro que tem vindo a conquistar a crítica e o público. Apresentamos uma pequena biografia para que os leitores possam conhecer melhor o seu trabalho.
É possível aceder a mais informação no blogue do autor em http://granadilhasemanal.blogspot.pt/.
Marcello Quintanilha (Niterói, 1971), conhecido também pelo pseudónimo de Marcello Gaú, é um autor de BD brasileiro que tem vindo a conquistar a crítica e o público. Apresentamos uma pequena biografia para que os leitores possam conhecer melhor o seu trabalho.
É possível aceder a mais informação no blogue do autor em http://granadilhasemanal.blogspot.pt/.
Biografia
O seu primeiro trabalho de BD foi publicado em 1988. Ainda adolescente, desenhou histórias de artes marciais para a revista Mestre Kim, da Bloch Editores. Na época, assinava com o nome de Marcello Gaú, porque não acreditava que a BD pudesse ser uma profissão de futuro.
Aos 18 anos, tendo concluído o Segundo Grau, começou a trabalhar como animador para uma escola de inglês. Passou sete anos no emprego, usando o tempo livre para desenvolver os seus projectos pessoais. A convite de Rogério de Campos, director da editora Conrad, passou a colaborar com as revistas General e General Visão, nas quais publicou histórias como "Granadilha" e "Dorso". No mesmo período, criou trabalhos também para as revistas Nervos de Aço, Metal Pesado, Zé Pereira e Heavy Metal.
A sua primeira novela gráfica foi publicada em 1999. Chamava-se "Fealdade de Fabiano Gorilla" e era uma história baseada na vida do seu pai, que foi jogador de futebol do Canto do Rio na década de 1950.
Naquele ano, durante a primeira edição do Festival Internacional de Quadrinhos de Belo Horizonte, conheceu o francês François Boucq, que se interessou pelo seu trabalho e convenceu-o a enviar os seus desenhos para editoras europeias. Em 2003, publicou La Promesse (A Promessa)", primeiro volume da série "Sept Balles Pour Oxford (Sete balas para Oxford)", pela editora belga Le Lombard, com roteiro do argentino Jorge Zentner e do espanhol Montecarlo.
O contrato com a editora belga levou Quintanilha a mudar-se para Barcelona, para ficar mais próximo dos roteiristas da série. Passou também a publicar ilustrações nos jornais espanhóis El País e Vanguardia .
Continuou também a produzir álbuns para o público brasileiro. Em 2005, saiu o álbum "Salvador", da colecção Cidades Ilustradas da editora Casa 21. Seguiram-se "Sábado dos Meus Amores" (2009, troféu HQ Mix de melhor desenhista nacional) e "Almas Públicas" (2011) .
Em 2014 publicou o álbum "Tungsténio" e em 2015 "Talco de Vidro" pela editora Veneta.
Aos 18 anos, tendo concluído o Segundo Grau, começou a trabalhar como animador para uma escola de inglês. Passou sete anos no emprego, usando o tempo livre para desenvolver os seus projectos pessoais. A convite de Rogério de Campos, director da editora Conrad, passou a colaborar com as revistas General e General Visão, nas quais publicou histórias como "Granadilha" e "Dorso". No mesmo período, criou trabalhos também para as revistas Nervos de Aço, Metal Pesado, Zé Pereira e Heavy Metal.
A sua primeira novela gráfica foi publicada em 1999. Chamava-se "Fealdade de Fabiano Gorilla" e era uma história baseada na vida do seu pai, que foi jogador de futebol do Canto do Rio na década de 1950.
Naquele ano, durante a primeira edição do Festival Internacional de Quadrinhos de Belo Horizonte, conheceu o francês François Boucq, que se interessou pelo seu trabalho e convenceu-o a enviar os seus desenhos para editoras europeias. Em 2003, publicou La Promesse (A Promessa)", primeiro volume da série "Sept Balles Pour Oxford (Sete balas para Oxford)", pela editora belga Le Lombard, com roteiro do argentino Jorge Zentner e do espanhol Montecarlo.
O contrato com a editora belga levou Quintanilha a mudar-se para Barcelona, para ficar mais próximo dos roteiristas da série. Passou também a publicar ilustrações nos jornais espanhóis El País e Vanguardia .
Continuou também a produzir álbuns para o público brasileiro. Em 2005, saiu o álbum "Salvador", da colecção Cidades Ilustradas da editora Casa 21. Seguiram-se "Sábado dos Meus Amores" (2009, troféu HQ Mix de melhor desenhista nacional) e "Almas Públicas" (2011) .
Em 2014 publicou o álbum "Tungsténio" e em 2015 "Talco de Vidro" pela editora Veneta.
Entrevista
Pode falar-nos da sua relação com a BD (HQ) desde a infância?
Essa lembrança se confunde com a mais remota recordação que tenho de estar diante de uma folha de jornal, porque sempre fui fascinado pelo trabalho impresso, pelo cheiro da tinta no papel e por todo universo em torno da impressão. Os quadrinhos impressos nos jornais já me fascinavam antes mesmo de eu poder decifrar o que estava escrito nos balões. A partir daí, tudo foi um desdobramento.
Sei também que nos primeiros tempos nunca acreditou muito que ser um quadrinista (desenhador de BD) fosse uma profissão de futuro.
Sim, e até hoje penso assim, no sentido em que nunca vi os quadrinhos como uma profissão, como um emprego. Os quadrinhos sempre foram um meio de expressão totalmente verdadeiro para mim e o distanciamento que pode haver numa relação profissional nunca foi um componente do meu interesse por essa linguagem.
Sei que durante muito tempo usou o pseudónimo "Marcello Gaú", existe alguma razão especial?
Isso tem a ver com a razão descrita acima. Nos meus primeiros anos de publicação, imaginava que os quadrinhos seriam algo à parte do “mundo real”, uma forma de expressão que eu assumiria de forma independente e provavelmente restrita a um determinado e pequeno círculo. Com o passar do tempo, porém, e à medida a que as minhas histórias foram sendo publicadas, os quadrinhos passaram a ocupar um espaço preponderante na minha vida a ponto de serem minha principal actividade durante um longo tempo, de forma que assinar sob esse pseudónimo deixou de ter sentido para mim.
Uma das suas primeiras novelas gráficas foi baseada na vida do seu pai. Pode falar-nos mais sobre isso?
Sim. Ela nasceu da minha intenção de tratar de forma ficcional um acontecimento real, que tem como pano de fundo o suicídio do presidente Getúlio Vargas, em 24 de Agosto de 1954. Trata-se de uma metáfora sobre a forma como reagimos às adversidades e aos reveses que determinam a nossa maneira de viver.
No caso da história, um jovem e promissor jogador de futebol tem o seu treino de exibição cancelado pelo suicídio do presidente da nação, o que, ao mesmo tempo, lança o país num caos institucional cujas primeiras consequências foram conflitos armados espalhados por vários pontos da então capital Rio de Janeiro.
Isso afectará de modo determinante a forma do personagem encarar os seguintes acontecimentos de sua vida.
Pode falar-nos do célebre encontro no Festival de BD em Belo Horizonte com o Boucq e como isso alterou a sua carreira?
Isto ocorreu em 1998 ou 1999. Boucq sempre foi uma de minhas influências mais marcantes e ter tido a oportunidade de conhecê-lo pessoalmente foi, para mim, um acontecimento único.
Ele disse que gostaria de mostrar meu material à sua editora na época — Casterman — e assim o fez. Depois de algum tempo, aCasterman pôs-me em contacto com Jorge Zentner. Começámos a trabalhar no projecto do Sept Balles Pour Oxford, com o qual não chegamos a um termo satisfatório com a própria Casterman, mas que, posteriormente, acabou sendo publicado pela Lombard.
Como tem sido trabalhar com a editora Lombard para o exigente mercado franco-belga? Isso obrigou a uma alteração dos métodos de trabalho?
Foi maravilhoso trabalhar na série e não, não houve nenhuma alteração de métodos de trabalho, sob nenhum aspecto.
Por vezes existe a ideia que as editoras ligadas ao mercado franco-belga são um pouco reservadas em relação a autores estrangeiros em comparação com as editoras anglo-saxónicas.
Não creio nessa ideia.
Ao analisar vários trabalhos seus denoto que o seu estilo de desenho sofreu várias mudanças. Sente necessidade de inovar e experimentar novas soluções?
Sim. Mais do que isso, estimula-me trabalhar de forma a encontrar uma linguagem específica para cada história, de modo a que não me sinta limitado sob nenhum aspecto no que diz respeito à concepção gráfica.
Pode explicar-me como a literatura e o cinema são importantes na construção da sua obra?
A literatura — principalmente a brasileira — assumiu um papel decisivo no sentido de me dar as chaves para entender que palavras não são apenas agrupamentos de letras; e também as figuras e coisas em torno dela e a forma como muitos autores foram capazes de equacionar suas vidas no objectivo a contribuir para a construção daquilo que hoje entendemos por literatura brasileira.
O caso do cinema evidencia a força e a capacidade de alguns realizadores de trabalhar com uma linguagem de produção historicamente fragmentada em favor da proposição de uma visão de mundo absolutamente pessoal. Fascinante.
Acredita que futuramente as editoras brasileiras vão apostar de forma mais incisiva em novelas gráficas dirigidas para um público mais adulto? Será isso viável comercialmente?
É sempre difícil falar sobre o futuro, especialmente num país como o Brasil; mais especificamente, no que se refere aos quadrinhos, porque o mercado editorial brasileiro sempre esteve sujeito a fluxos e refluxos, em maior ou menor medida, por uma ou outra razão. Essa parece ser a tendência actual, mas em termos de mercado, assim como na vida, tudo pode mudar de uma hora para outra.
Acha possível vir a surgir um intercâmbio de artistas entre Portugal e o Brasil como existe no mercado de BD nos Estados Unidos e o Reino Unido?
Este intercâmbio só é efectivo quanto mais fortalecido for o meio no qual ele se sustenta. Tanto Brasil como Portugal apresentam características mercadológicas que, pelo menos a curto prazo, não nos permitem prever que algo nas mesmas dimensões da relação EUA – UK ocorra, a não ser dentro de nichos específicos ou muito restritos.
Pode descrever-nos de forma detalhada como funciona o seu método de trabalho na criação de uma BD (HQ)?
Essa não é uma pergunta simples porque não sou apegado a nenhum método de trabalho em particular e a cada história experimento um método diferente. Assim, é indiferente se começo a escrever um roteiro ou passo a desenhar uma serie de páginas sem sequer ter um texto pré-definido. Não há nenhum tipo de regra. Posso escrever roteiros em torno a ilustrações prévias ou escrever efectivamente toda uma história para só depois começar a desenhá-la. Não há nenhuma regra.
O que considera ser mais complexo quando se desenha uma BD?
Tudo é escandalosamente complexo.
Qual a característica que acha mais importante para um quadrinista (desenhador de BD) poder singrar profissionalmente?
Acho que uma característica fundamental é ser capaz de entender que a dinâmica de um quadrinista dentro do que se considera “mercado” não se rege meramente pela bíblia das relações empregatícias, entre artista e editor, mas, também e principalmente, dentro da esfera da relação que ele seja capaz de construir directamente com o público leitor.
Não acha que por vezes falta uma formação mais especifica para quem deseja criar BD mais profissional e exigente? Que ensine os autores a serem mais metódicos, estudiosos e ambiciosos?
Não tenho tanta certeza disso, porque a ideia de formação, como eu a entendo, nesse caso, assumiria o papel de um tipo de preparatório que fará do artista alguém a ser inserido num contexto mercadológico como mão de obra especializada, o que reduz muito a ideia que tenho do quadrinho como forma de expressão.
Sempre considero fundamental contextualizar a ideia de mercado, porque a maior parte dos experimentos artísticos de maior impacto na sociedade se produziram exactamente à margem da lógica de mercado ou mesmo quando sequer a ideia de mercado estava presente na sociedade. Assim é na literatura ou nas artes plásticas. De maneira que a absorção de um artista como “profissional” por um nicho de mercado não representa um dado necessariamente positivo para mim.
Consegue imaginar-se no futuro a trabalhar exclusivamente com ferramentas digitais?
Sim, por que não?
Quais são as suas principais influências artísticas?
Elas vêm de muitos lugares e, inevitavelmente se renovam à medida que passa o tempo, mas sempre me reporto a uma serie de influências básicas, quais sejam Buscema, García-Lopez, Jacobs, Pratt e Roy Crane no que se refere aos quadrinhos; Machado de Assis, Clarice Lispector ou Lima Barreto se vamos à literatura; Orson Welles, Vittorio de Sica ou Tony Richardson com respeito ao cinema, entre outras.
Como foi a experiência de ter estado no festival de BD de Beja?
Foi uma experiência magnífica. Impossível não se render aos encantos dessa cidade e de toda a gente envolvida no evento.
Projectos e desejos para um futuro mais próximo?
Hum… Eu realmente não faço nenhum tipo de projecto.
Autor: Sérgio Santos.
Futuramente continuarão a ser publicadas entrevistas referentes a várias personalidades de destaque ligadas ao universo da BD.