ENTREVISTA COM PENIM LOUREIRO
2016-01-02
Penim Loureiro é um autor de BD português que regressou recentemente ao activo depois de muitos anos de ausência.
É possível aceder a mais informação no site do autor em http://penimloureiro.com/
Penim Loureiro é um autor de BD português que regressou recentemente ao activo depois de muitos anos de ausência.
É possível aceder a mais informação no site do autor em http://penimloureiro.com/
Biografia
PENIM LOUREIRO (1963, Lisboa) dedicou-se à banda desenhada de 1979 a 84. Não obstante a exiguidade deste percurso, destacou-se como um dos mais produtivos autores portugueses deste período, com histórias publicadas em fanzines como Ritmo, Ruptura, Boletim do CPBD, Amargem, em variados periódicos como o Se7e, Tintin, Jornal da BD e a revista espanhola Un Fanzine Llamado Camello.
Após ter concluído os estudos, na Faculdade de Arquitetura de Lisboa, decidiu dedicar-se exclusivamente à reabilitação arquitetónica, tendo realizado várias incursões no campo da Arqueologia. Atualmente, é professor no Instituto Politécnico de Lisboa. Depois de três décadas de interrupção, regressou em 2014 à narrativa gráfica com Cidade Suspensa.
Após ter concluído os estudos, na Faculdade de Arquitetura de Lisboa, decidiu dedicar-se exclusivamente à reabilitação arquitetónica, tendo realizado várias incursões no campo da Arqueologia. Atualmente, é professor no Instituto Politécnico de Lisboa. Depois de três décadas de interrupção, regressou em 2014 à narrativa gráfica com Cidade Suspensa.
Entrevista
Como surgiu o 1º contacto com a BD?
Foi no liceu; nos primeiros anos de 1980 descobria muitos livros e revistas em 2º mão nos alfarrabistas. Já não eram novidade na Europa mas em Portugal acabam por ser. Sobretudo BD relacionada com o universo franco-belga. O que aparecia a nível dos comics americanos, surgia com fraca qualidade o que produziu um certo preconceito da minha parte em relação a esse universo. Só recentemente entrei em "paz" com a BD americana.
Ainda durante a década de 70, tinha, como colega de escola, o Jorge Colombo (que se iria impor como ilustrador conceituado). Ele era muito preguiçoso e frequentemente eu desafiava-o com histórias de BD feitas por mim para provar que até eu os conseguia fazer apesar de ser menos dotado para o desenho que ele. É curioso porque o Jorge Colombo sempre teve muito medo da BD, preferiu seguir outros caminhos. Além disso sendo ele também um crítico de BD provavelmente sentiu desconforto em aventurar-se nessa área.
Podia falar-nos do período que trabalhou em vários fanzines de BD de 79 a 84? foi uma época muito produtiva.
Sim. Eu fazia parte de uma geração dos chamados “juvenis/idosos”; era considerada demasiado nova para ser levada a sério (perante os desenhadores mais amadurecidos nos anos 50/60, na prática profissional das artes gráficas). Já seria, porém, demasiadamente velha, em 1985, para ser citada (em comparação com os novos nomes que começavam a surgir nos festivais Entretanto surgiu depois uma nova geração com outras oportunidades e contactos, como os festivais de BD. Nesse período apareceram também novas editoras mais vocacionadas para a BD.
Pode falar-nos um pouco desse hiato em relação à BD após entrar para o curso de arquitectura?
Nos primeiros anos do curso, ainda fiz vários trabalhos em BD. Não foi o facto de o curso ser muito monopolizador que me fez desistir. Naquela época da vida, felizmente, tive sempre liberdade para poder ter várias actividades. O que ocorreu foi uma certa desilusão em relação ao Clube Português de Banda Desenhada. Uma associação na qual depositávamos muitas esperanças, porque tínhamos expectativas que fosse possível a nossa carreira nesse meio poder progredir.
Só mais tarde percebemos que aquilo não era bem um clube de BD, mas mais um círculo de coleccionadores nostálgicos de BD, o que a certa altura fez com que ocorressem muitas coisas com que não concordávamos. Começaram a desaparecer pranchas originais nas exposições e só mais tarde começámos a comentar entre amigos que esses fenómenos estranhos ocorriam numa escala muito maior do que julgávamos. Alguém do clube português de BD deve ter realmente uma colecção muito grande com esses furtos e o facto é que isso acabou por contribuir para que muitos autores desistissem de trabalhar nesta área.
Nós sentíamos que existiam poucas oportunidades para novos autores, os desenhadores mais antigos ainda tinham uma grande preponderância e isso desiludiu muitos dos autores novos.
Existe também outra questão mais pessoal. Eu apercebi-me que, para se fazer um trabalho consistente de continuidade e que possa ser valorizado, isso exige muito esforço e dedicação. Exige também uma grande dose de egocentrismo, onde muitas vezes a vida pessoal e familiar é sacrificada em prol do trabalho artístico. Quando leio biografias de grandes autores consagrados, percebo que isso aconteceu muitas vezes. A certa altura achei então que não teria esse espírito e dedicação, sobretudo por implicar o sacrifício de outras pessoas próximas de mim.
Com isto não quero deixar a ideia que fiquei ressentido com o que aconteceu, foram factores diversos mas a responsabilidade é essencialmente minha.
Foi no liceu; nos primeiros anos de 1980 descobria muitos livros e revistas em 2º mão nos alfarrabistas. Já não eram novidade na Europa mas em Portugal acabam por ser. Sobretudo BD relacionada com o universo franco-belga. O que aparecia a nível dos comics americanos, surgia com fraca qualidade o que produziu um certo preconceito da minha parte em relação a esse universo. Só recentemente entrei em "paz" com a BD americana.
Ainda durante a década de 70, tinha, como colega de escola, o Jorge Colombo (que se iria impor como ilustrador conceituado). Ele era muito preguiçoso e frequentemente eu desafiava-o com histórias de BD feitas por mim para provar que até eu os conseguia fazer apesar de ser menos dotado para o desenho que ele. É curioso porque o Jorge Colombo sempre teve muito medo da BD, preferiu seguir outros caminhos. Além disso sendo ele também um crítico de BD provavelmente sentiu desconforto em aventurar-se nessa área.
Podia falar-nos do período que trabalhou em vários fanzines de BD de 79 a 84? foi uma época muito produtiva.
Sim. Eu fazia parte de uma geração dos chamados “juvenis/idosos”; era considerada demasiado nova para ser levada a sério (perante os desenhadores mais amadurecidos nos anos 50/60, na prática profissional das artes gráficas). Já seria, porém, demasiadamente velha, em 1985, para ser citada (em comparação com os novos nomes que começavam a surgir nos festivais Entretanto surgiu depois uma nova geração com outras oportunidades e contactos, como os festivais de BD. Nesse período apareceram também novas editoras mais vocacionadas para a BD.
Pode falar-nos um pouco desse hiato em relação à BD após entrar para o curso de arquitectura?
Nos primeiros anos do curso, ainda fiz vários trabalhos em BD. Não foi o facto de o curso ser muito monopolizador que me fez desistir. Naquela época da vida, felizmente, tive sempre liberdade para poder ter várias actividades. O que ocorreu foi uma certa desilusão em relação ao Clube Português de Banda Desenhada. Uma associação na qual depositávamos muitas esperanças, porque tínhamos expectativas que fosse possível a nossa carreira nesse meio poder progredir.
Só mais tarde percebemos que aquilo não era bem um clube de BD, mas mais um círculo de coleccionadores nostálgicos de BD, o que a certa altura fez com que ocorressem muitas coisas com que não concordávamos. Começaram a desaparecer pranchas originais nas exposições e só mais tarde começámos a comentar entre amigos que esses fenómenos estranhos ocorriam numa escala muito maior do que julgávamos. Alguém do clube português de BD deve ter realmente uma colecção muito grande com esses furtos e o facto é que isso acabou por contribuir para que muitos autores desistissem de trabalhar nesta área.
Nós sentíamos que existiam poucas oportunidades para novos autores, os desenhadores mais antigos ainda tinham uma grande preponderância e isso desiludiu muitos dos autores novos.
Existe também outra questão mais pessoal. Eu apercebi-me que, para se fazer um trabalho consistente de continuidade e que possa ser valorizado, isso exige muito esforço e dedicação. Exige também uma grande dose de egocentrismo, onde muitas vezes a vida pessoal e familiar é sacrificada em prol do trabalho artístico. Quando leio biografias de grandes autores consagrados, percebo que isso aconteceu muitas vezes. A certa altura achei então que não teria esse espírito e dedicação, sobretudo por implicar o sacrifício de outras pessoas próximas de mim.
Com isto não quero deixar a ideia que fiquei ressentido com o que aconteceu, foram factores diversos mas a responsabilidade é essencialmente minha.
O grande regresso à BD foi com a Cidade Suspensa, pode contar-nos melhor como surgiu esse álbum?
A história do álbum é uma autobiografia ficcionada, a minha presença aparece retratada em várias personagens de forma semi-verídica e mesmo os cenários da cidade de Lisboa surgem representados de forma diferente, como se pertencessem a uma realidade alternativa. Farto de estar sem contar histórias, tive realmente a tentação de regressar à BD por volta de 2007. Desejava criar um trabalho inspirado num conceito baseado num diário gráfico. Sentia essa necessidade, existiam demasiados esqueletos no armário, quando olhava para livros de BD sentia-me incomodado; recordavam-me feridas antigas e tinha sempre a dúvida se deveria ter continuado a trabalhar em BD. Afinal, eu gostava tanto daquilo!
Em 2013, tive um período de tempo disponível, entre 2013 e 2014, para finalmente terminar um projecto que já andava a matutar há algum tempo. Comecei a publicar na net e nem sequer me passava pela cabeça publicar a história num livro. Surgiu num formato diferente, estilo de diário gráfico, quase um desenho por página. Tinha muito texto, algumas fotografias, na altura criei uma página no Facebook e ia publicando sempre novos desenhos regularmente. Várias pessoas minhas conhecidas reconheciam-se nas histórias que publicava visto serem baseadas em episódios reais que aconteceram comigo.
O editor Rui Brito da Polvo viu o meu trabalho na net e avançou com a ideia de publicar a história num álbum de BD. Para mim, foi tudo muito surpreendente porque apesar da minha idade, nunca tinha tido essa oportunidade anteriormente. Possuía trabalhos meus antigos em fanzines, revistas e jornais, mas nunca tinha publicado um álbum. É-me proposto que o projecto fique com uma tipologia mais próxima da BD e com mais vinhetas por página e isso implicou uma reformulação de alguns desenhos e uma lógica narrativa diferente.
Tenho a ideia de que álbum foi muito bem recebido no mercado e pela crítica.
Creio ser difícil chegar a essa conclusão com convicção. Não tenho bem noção das vendas em português e inglês. Recebi muitas críticas positivas e de incentivo, sobretudo de pessoas ligadas ao meio, mas não tenho bem noção até que ponto isso extravasou um certo nicho. O êxito é sempre relativo, fiquei contente porque nunca tinha tido um álbum publicado. Estive na última Comic Con e, apesar de existir um público muito específico nesse tipo de eventos, várias pessoas ficaram entusiasmados com o meu livro na banca da Polvo. O que é sempre muito positivo.
Como surgiu esta oportunidade para a criação do curso de BD no Museu Bordalo Pinheiro?
A ocasião surgiu de forma inesperada e sem ser planeada. Em 2014, ao apresentar uma palestra sobre a minha tese de doutoramento no curso de Arquitectura da Universidade Lusófona, acabei por optar por um tom mais ligeiro e falar um pouco mais sobre a minha carreira de autor de BD. João Botelho, o coordenador do museu Bordalo Pinheiro, assistiu a essa aula e, no final, conversamos e ele revelou-me que gostaria de ter mais cursos/workshops no museu como forma de o dinamizar.
Da nossa conversa surgiu a ideia da criação do curso de BD. Já decorreu a 1ª edição, com vários módulos auto-suficientes com níveis de exigência crescente que foram surgindo ao longo do ano. Vários autores (João Mascarenhas, André Oliveira, Daniel Maia, Susana Resende, Luís Frasco, Rosário Félix, Lígia Sousa, Nuno Rodrigues, Carlos Silva, Fil, Sérgio Santos e Álvaro Santos) participaram como artistas convidados de forma a poderem auxiliar os alunos a progredir. Foram uma boa ajuda, sobretudo nas aulas práticas.
Existe também o projecto que as histórias criadas nas aulas possam ser publicadas eventualmente sobre a égide da Câmara Municipal ou do Museu Bordalo Pinheiro.
Pode falar-nos das suas principais influências em termos de autores de BD?
O Moebius foi uma grande influência, era extremamente inovador e arrojado. Do ponto de vista narrativo existiram outros autores que me influenciaram mais tais como o Tardi ou o Leclerc. Depois acordei para os comics americanos, nomeadamente para o Sin City e o Batman do Frank Miller. Jacques Loustal foi também uma grande influência e isso nota-se muito no meu álbum Cidade Suspensa, tinha uma grande admiração pelo trabalho dele nos anos 70 e sempre quis fazer algo similar.
Gosto muito do trabalho do Rui Lacas, aprecio muito várias histórias dele tais como o "Obrigado patrão", onde se nota uma clara influência franco-belga. O Ricardo Cabral é um ilustrador extraordinário, aliás quando saiu o Israel Sketchbook, gostei de tal forma do trabalho que senti-me quase impelido a experimentar algo similar. Gostei muito do Baile da Joana Afonso e aprecio muito o trabalho dela.
Como analisa o público de BD?
Acho importante a BD conseguir chegar a um público abrangente e não fixar-se num público fixo de nicho. Existem várias pessoas que apreciam trabalhos artísticos gráficos e não se identificam imediatamente com a BD, trata-se de um público que pode ser conquistado.
Na Cidade Suspensa procurei fazer chegar a esse público menos formato o meu conceito de narrativa gráfica. Recebi muitos feedbacks positivos por parte de vários desenhadores amadores ligados aos urban sketchers.
A vertente pedagógica para a captação de novos públicos é muito importante. Foi também um dos motivos porque achei importante o curso de BD no Museu Bordalo Pinheiro que falámos anteriormente.
Novos projectos? Envolvem algum tipo de colaboração?
Colaborei anteriormente uma colectânea chamada Portugal 2055 composta por 10 histórias de BD. Foram convidados 10 desenhadores diferentes apesar do argumento estar a cargo da mesma pessoa, o biólogo Bruno Pinto. Falavam-se de vários problemas relacionados com as alterações climáticas e como estas podem alterar o nosso país.
Futuramente, irá surgir um novo projecto baseado nos resultados de estudos científicos em alterações climatéricas onde irei participar. Aparecem então os vários biólogos que fizeram o estudo e as entidades públicas responsáveis por acautelar as respostas de forma a minimizar o processo. O argumento é complexo e realmente tiro o chapéu ao Bruno Pinto por conseguir fazer esse trabalho. Desenhar e dar forma física à história para mim acaba por ser o mais fácil.
Tenho um projecto pessoal de maior fôlego, uma história de ficção cientifica que se chama Sul e que será publicada pela Polvo com desenho e argumento meu. Seria uma série com vários episódios e onde são tratados vários assuntos relacionados com a divisão Norte/Sul, extremismos, intolerância e xenofobia. Neste momento ainda estou a trabalhar no estudo das personagens, cenários, equipamentos. Apesar do guião estar concluído, a produção está muito atrasada ainda.
A BD deve ser mais comercial ou vanguardista?
Muita gente parece acreditar que a BD deve ser ou de vanguarda ou comercial como se não existisse nada intermédio. Uma visão muito elitista pode afugentar uma parte do público da BD e isso não é desejável. Às vezes questiono-me se uma parte das pessoas que trabalham em BD mais vanguardista fazem realmente aquilo que gostam ou estão apenas a desenvolver um trabalho que será apenas apreciado por uma determinada critica especializada de nicho.
Acima de tudo, deve-se promover a BD na sua diversidade e não deve existir uma atitude de privilegiar uma determinada corrente em detrimento de outra.
O Van Gogh era um pintor esforçado e algo incapaz de se inserir nas vanguardas que lhe foram contemporâneas, pelo que foi completamente desvalorizado pela critica artística mesmo após a sua morte. No entanto, a história deu-lhe razão e hoje é um artista conceituado por ser muito expressivo e muitas das falhas técnicas que lhe foram apontadas são hoje consideradas irrelevantes.
O tempo e a história ajudam a que exista uma visão mais distanciada e imparcial que permite distinguir o real valor das obras.
Existem muitos autores ditos experimentais em que é duvidoso que o tempo acabe por ser generoso e que os seus trabalhos futuramente sejam valorizados. Muitos deles são apenas pretensiosos e imaturos.
Nos últimos anos tem existido um grande boom na BD portuguesa.
Diria que neste caso o uso da onomatopeia boom é exagerado. De facto, neste dois últimos anos, aumentaram as obras editadas por parte de editoras independentes sobretudo, mas surgem também vários álbuns de editoras não especializadas, o que é positivo, mas o público não parece aumentar. Há uma falta notória de "bandadesenhistas" profissionais portugueses a publicar no espaço nacional com continuidade. Os que vivem da BD publicam preferencialmente no estrangeiro.
Autor: Sérgio Santos.
Futuramente continuarão a ser publicadas entrevistas referentes a várias personalidades de destaque ligadas ao universo da BD.