ENTREVISTA COM PATRÍCIA COSTA
2020-11-22
Patrícia Costa nasceu em 1983. É natural do Fundão mas reside no Montijo desde 2012. É licenciada em Arquitectura pelo ISCTE mas, actualmente, trabalha como Ilustradora. Em 2018 ingressou no 1.º Curso de Iniciação à Arte Sequencial, no Montijo, no seguimento do qual venceu a Categoria A+ do Concurso de BD do XXIX Prémio Nacional de Banda Desenhada promovido pelo Amadora BD, com a obra “Uma Viagem”. Em 2019 e 2020 alcançou o 3.º lugar no Concurso de BD nos 13.º e 14.º BDTeca, organizados pelo Município de Odemira, com as obras “Asas” e “Eternidade 2.0”, respectivamente. Em 2019 fez a arte de “Posse”, uma história para a revista H-alt #9, com argumento de Penim Loureiro. Participou no fanzine “Outras Bandas”, editado pelo Colectivo Tágide, com duas curtas “Era Uma Vez” e “Chá das Cinco”, esta última vencedora do Prémio na Categoria de Melhor Obra Curta nos XVII Troféus Central Comics, em 2020. Entre outras colaborações, este ano, participou na antologia “Virar a Página”, que reuniu diversos argumentistas e desenhadores e cuja campanha de crowdfunding decorreu com sucesso, visando recolher apoios para a Associação CAIS.
É possível aceder a mais informação em relação ao seu trabalho em:
www.facebook.com/patricia.almeida.costa
www.facebook.com/enerelis
www.ppl.pt/enerelis
Instagram: @pc_aka_kostinha
Instagram das Crónicas: @cdenerelis
Patrícia Costa nasceu em 1983. É natural do Fundão mas reside no Montijo desde 2012. É licenciada em Arquitectura pelo ISCTE mas, actualmente, trabalha como Ilustradora. Em 2018 ingressou no 1.º Curso de Iniciação à Arte Sequencial, no Montijo, no seguimento do qual venceu a Categoria A+ do Concurso de BD do XXIX Prémio Nacional de Banda Desenhada promovido pelo Amadora BD, com a obra “Uma Viagem”. Em 2019 e 2020 alcançou o 3.º lugar no Concurso de BD nos 13.º e 14.º BDTeca, organizados pelo Município de Odemira, com as obras “Asas” e “Eternidade 2.0”, respectivamente. Em 2019 fez a arte de “Posse”, uma história para a revista H-alt #9, com argumento de Penim Loureiro. Participou no fanzine “Outras Bandas”, editado pelo Colectivo Tágide, com duas curtas “Era Uma Vez” e “Chá das Cinco”, esta última vencedora do Prémio na Categoria de Melhor Obra Curta nos XVII Troféus Central Comics, em 2020. Entre outras colaborações, este ano, participou na antologia “Virar a Página”, que reuniu diversos argumentistas e desenhadores e cuja campanha de crowdfunding decorreu com sucesso, visando recolher apoios para a Associação CAIS.
É possível aceder a mais informação em relação ao seu trabalho em:
www.facebook.com/patricia.almeida.costa
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www.ppl.pt/enerelis
Instagram: @pc_aka_kostinha
Instagram das Crónicas: @cdenerelis
Entrevista
O teu gosto pela banda desenhada é grande como se pode ver pela tua participação em vários projetos. Como fazes a transição de leitora de BD para criadora de BD e porque achas que o medium é o ideal para as estórias que queres contar?
Ao contrário da maioria dos autores, que tem contacto desde cedo com a BD por influência de amigos ou família, ou porque tem mais facilidade de aceder a ela, só comecei a ler alguma BD durante a faculdade, e ainda assim não era um hábito. Havia um ou outro livro que comprava de colecções de jornais, mas todos sabemos como é a vida de estudante universitário e o dinheiro tinha destinos prioritários: só em impressões de trabalhos e maquetes era uma pequena fortuna.
Entretanto, já a trabalhar, descobri o manga, a banda desenhada japonesa. Eu sempre fora fascinada por anime, só que a vida profissional não deixava muito tempo disponível para ver o que quer que fosse, então passei a ler manga durante as viagens de autocarro entre casa e o trabalho. Avançava muito mais depressa e fielmente à história nos livros do que nos ecrãs.
Depois disso, passei a ler e adquirir BD de géneros e estilos mais variados. Confesso que não leio manga há 2 ou 3 anos.
A vontade de criar de BD nasceu em 2008, porque uma certa história estava a começar a formar-se na minha cabeça. Quando estabeleci a plot line principal, imaginei algumas sequências com clareza. Tinha a certeza de que a BD ia casar bem as minhas duas paixões: a escrita e o desenho. Era o meio ideal para contar a história. Só que, nessa altura, os meus conhecimentos eram muito superficiais. Senti-me impelida a ler e investigar mais sobre BD.
Até que em 2017, numa visita ao festival Amadora BD, conheci o Daniel Maia e a Susana Resende, na mesa de autógrafos. No início do ano seguinte, curiosamente, cruzámo-nos na rua e a Susana falou-me num Curso de Iniciação à Arte Sequencial que ela iria ministrar daí a alguns meses no Montijo. Chegara a oportunidade certa!
O curso foi definitivamente a minha porta de entrada neste mundo: dera-me os conhecimentos e a percepção de como funcionam as coisas na BD além de contar histórias.
Com o findar do curso, fui incentivada a participar no Concurso Nacional de BD do Amadora BD de 2018. A minha curta de 4 páginas, em aguarela, inspirada por uma história de amor, fora vencedora na sua categoria.
O entusiasmo aumentou e continuei a participar noutros concursos e no fanzine Outras Bandas, editado pelo Colectivo Tágide: a ideia era e experimentar outras técnicas e outras narrativas. Paralelamente, as Crónicas começavam a ver a luz do dia e a tornar-se realidade.
Ao contrário da maioria dos autores, que tem contacto desde cedo com a BD por influência de amigos ou família, ou porque tem mais facilidade de aceder a ela, só comecei a ler alguma BD durante a faculdade, e ainda assim não era um hábito. Havia um ou outro livro que comprava de colecções de jornais, mas todos sabemos como é a vida de estudante universitário e o dinheiro tinha destinos prioritários: só em impressões de trabalhos e maquetes era uma pequena fortuna.
Entretanto, já a trabalhar, descobri o manga, a banda desenhada japonesa. Eu sempre fora fascinada por anime, só que a vida profissional não deixava muito tempo disponível para ver o que quer que fosse, então passei a ler manga durante as viagens de autocarro entre casa e o trabalho. Avançava muito mais depressa e fielmente à história nos livros do que nos ecrãs.
Depois disso, passei a ler e adquirir BD de géneros e estilos mais variados. Confesso que não leio manga há 2 ou 3 anos.
A vontade de criar de BD nasceu em 2008, porque uma certa história estava a começar a formar-se na minha cabeça. Quando estabeleci a plot line principal, imaginei algumas sequências com clareza. Tinha a certeza de que a BD ia casar bem as minhas duas paixões: a escrita e o desenho. Era o meio ideal para contar a história. Só que, nessa altura, os meus conhecimentos eram muito superficiais. Senti-me impelida a ler e investigar mais sobre BD.
Até que em 2017, numa visita ao festival Amadora BD, conheci o Daniel Maia e a Susana Resende, na mesa de autógrafos. No início do ano seguinte, curiosamente, cruzámo-nos na rua e a Susana falou-me num Curso de Iniciação à Arte Sequencial que ela iria ministrar daí a alguns meses no Montijo. Chegara a oportunidade certa!
O curso foi definitivamente a minha porta de entrada neste mundo: dera-me os conhecimentos e a percepção de como funcionam as coisas na BD além de contar histórias.
Com o findar do curso, fui incentivada a participar no Concurso Nacional de BD do Amadora BD de 2018. A minha curta de 4 páginas, em aguarela, inspirada por uma história de amor, fora vencedora na sua categoria.
O entusiasmo aumentou e continuei a participar noutros concursos e no fanzine Outras Bandas, editado pelo Colectivo Tágide: a ideia era e experimentar outras técnicas e outras narrativas. Paralelamente, as Crónicas começavam a ver a luz do dia e a tornar-se realidade.
Porquê o género da fantasia para te expressares? E quais são as tuas referências principais (em qualquer medium) dentro deste género que tantos subgéneros contém?
As primeiras histórias que escrevi, com 13 ou 14 anos, eram muito intimistas. Punha muito de mim nas personagens. A adolescência era assim: uns tinham diários, eu escrevia histórias. Também tive a fase de anotar os sonhos e aproveitar algumas ideias para essas histórias. Foi nessa altura que comecei a ler diversos livros de aventuras da biblioteca da escola.
Durante o período da faculdade, encontrei uma pequena biblioteca na minha residência estudantil. Pequena, mas bastante diversificada. Desde filosofia, a ficção especulativa, aos clássicos da Literatura. Aquela prateleira alongada continha dezenas de mundos. Quando tinha tempo, tirava um livro aleatoriamente. Foi nessa altura que conheci George Orwell, William Golding ou Júlio Verne. Ganhei também um gosto especial pelos policiais. Foi um período muito bom, porque me permitiu alargar conhecimentos e aguçar interesses.
Mesmo assim, a fantasia continuava a ser a minha forma de expressão. Preferia a realidade para viver e a fantasia para me distrair: era a minha forma de escape.
Mas hoje, mesmo continuando a criar ambientes imaginários, há imensos temas da realidade que transponho para esses mundos. Há temas e dilemas que sinto necessidade de abordar, mesmo num mundo de fantasia. No fim de contas, a fantasia deve ser parte da realidade e não o oposto dela.
Sentes que a tua formação em arquitetura influência as tuas leituras bedéfilas ou a forma como abordas as estórias que contas neste medium?
A formação nunca influenciou as leituras: uma boa história ou um bom desenho é o suficiente para me fazer agarrar um livro. Mas quando comecei a criar as primeiras histórias em BD, a formação em Arquitectura foi bastante importante. Posso afirmar que tive uma formação muito diversa, não só em termos da arte de projectar e construir, mas como abordámos outras áreas como Geografia, Sociologia, Antropologia, Direito e Filosofia. Ou seja, além dos conceitos de desenho e perspectiva ou História da Arte, a minha formação permitiu-me conhecer a relação entre as pessoas e os territórios; a relação das culturas com o ambiente em que se inserem, entre outros. As pessoas não vivem desassociadas dos territórios: as culturas são muitas vezes o que os territórios fazem delas. E isso é importante para a caracterização de mundos.
Desenvolveste durante muitos anos o storyworld para as Crónicas de Enerelis. Explica-nos o teu processo de worldbuilding, referindo alguma bibliografia ou webgrafia que te tenha sido útil.
Foram muitos anos, mas era só quando tinha tempo livre, que não era assim tanto… (risos)
A ideia original, ainda muito imatura, vem de 2001. Estava a ouvir música e, de repente, puf! “Qualquer coisa, mundo paralelo à Terra, umas entidades, um herói, uns reinos, uns dilemas pelo meio, uns fracassos, uns plot twists…” Ainda desenvolvi a ideia por escrito, mas fechei-a em 2006. Estava a estendê-la demasiado e já tinha fugido da plot line principal há muito tempo. Fazia aquilo por diversão e como passatempo. Sem pretensões.
No entanto, dessa parafernália de ideias retirei duas ou três coisas para as Crónicas, em 2008: a existência de três em vez de um só mundo paralelo inicial, as suas entidades supremas, e algumas personagens.
A partir daí comecei a construir o argumento: regressei à escrita, mas tinha em vista a BD. Tenho alguns thumbnails das primeiras páginas, mas fiquei por ali. Eram muito naïves. Decidi que a BD ficaria para mais tarde: para quando tivesse os conhecimentos certos.
Durante a escrita, fui construindo os territórios e quem os habitava. Tinha uma ideia geral e, à medida que avançava, ia aprimorando mais detalhes.
Ainda assim, considero a construção do universo das Crónicas como soft-worldbuilding. Pessoalmente, gosto mais de me focar na história. Claro que as personagens não vivem sem o seu contexto, como referi anteriormente, e agora que estou a desenvolver a BD, os ambientes são tão importantes como as personagens. E, mesmo assim, não dá para transportar todo o lore para a BD. Há muita informação complementar que vai ficar para outros meios.
Há imensos exemplos de hard-worldbuilding em diversos meios (livros, cinema, jogos…) nos quais gosto de me inspirar. Pena não ter tempo para ver/ler tudo: se o pudesse fazer, não criava nada.
Mas folheio com muita atenção os artbooks com os estudos sobretudo dos jogos (para os quais gostava de ter paciência - e tempo). É-me particularmente importante fazer isto antes de começar uma parte diferente da história, que vai mudar de ambientes frequentemente já no Volume 02.
Não tenho propriamente uma bibliografia que possa anotar. Como referi, li (e leio) um pouco de tudo, desde que possa tirar partido disso. Até sobre ciências: tenho especial fascínio por Astronomia e Mecânica Quântica.
Tudo serve como inspiração e, sobretudo, aprendizagem. A própria realidade e a sua observação são fundamentais neste processo: nada do que vivemos e fazemos deve passar ao lado. A inspiração pode nascer no acto mais corriqueiro do nosso dia.
Em termos de pré-produção, preferes o processo de worldbuilding ou o processo de escrita do guião? Ou o teu processo é integrado?
Acaba por ser as duas coisas em fusão, embora pese o guião para os diálogos e o desenho para o worldbuiding e personagens.
Embora tenha a história completamente estruturada, a adaptação à BD obriga-me a desenvolver muito mais os aspectos gráficos: os ambientes, a construção, a geografia, etc..
Ainda em relação ao teu processo criativo: como é que fazes a transição do guião para a página finalizada? E que tipo de guião escreves?
De um lado, tenho a história escrita e completa. Do outro, faço um guião que vou adaptando à medida que vou criando a BD. Começo pela estrutura geral de cada volume: traço objectivos quanto às personagens e quanto ao que é apresentado/desenvolvido na trama.
Depois, faço um guião mais elaborado capítulo a capítulo: é aqui que entram os diálogos e detalhes importantes para as sequências. Ao lado, tenho as personagens, ambientes e construções. Tudo isto num maravilhoso caderno A4 de capas pretas. Não passo sem o papel nesta fase. Desenho os thumbnails, com cada página a corresponder a um A6.
Só depois de ter um capítulo inteiro rabiscado é que passo para o layout, esta fase digitalmente. O inking e meios-tons, tal como a balonagem são totalmente digitais.
É um processo que, por capítulo (18 páginas), demora ao todo um mês.
Curiosamente, quando comecei a passar do guião para o desenho, em 2018, comecei por fazer a tinta. Tenho 18 pranchas em papel que, para mim, têm um valor inestimável. Mas ao analisar com mais atenção, percebi que devia passar para o digital: o tempo que demoro a fazer o layout, inking, meios-tons e balonagem é muito menor em comparação com o trabalho congénere em papel e tinta.
O papel e o digital têm vantagens e desvantagens, mas para o estilo de desenho e a história que quero contar nas Crónicas, o digital é definitivamente a escolha mais acertada. E não uso os “facilitadores” do desenho digital. Evito o copy+paste. Se um edifício tem cinco janelas iguais, desenho as cinco em separado. Se uma floresta tem trinta árvores da mesma espécie, nenhuma é igual à outra...
O álbum de BD “Crónicas de Enerelis, Volume 01: Prelúdio” estará, até ao dia 4 de janeiro de 2021, disponível para financiamento colaborativo (crowdfunding) na plataforma PPL. Este é o primeiro volume de uma longa saga que tens planeada para publicação nos próximos anos. Alguma estimativa de quantos volumes integram a saga e durante quanto tempo irás desenvolver este projeto pessoal?
Neste momento, não consigo definir um número concreto. Ainda é tudo relativamente fresco no que toca à versão em BD. Mas será por alguns anos, isso é certo. Adoro o que faço e, enquanto puder pegar num lápis, não vou largar esta história tão cedo. Sou muito teimosa. As pessoas que me conhecem sabem que quando tenho um objectivo, é para ir em frente.
De qualquer modo, é um projecto que não depende somente de mim, mas também de que quem vai ler. As séries normalmente têm atrás de si a força motriz do seu público. É a ele que quero chegar.
Tendo em conta a escala do teu storyworld e o tempo investido na construção deste universo expandido: tens projetada para o futuro a transmediação do teu franchise Crónicas de Enerelis? Alguma editora literária ou produtora de cinema, TV ou videojogos em especial que gostarias de colaborar, se a oportunidade surgisse?
Isto começou por diversão. Isto era o meu passatempo quando não estava na faculdade ou no trabalho. Eu era (e sou) uma entusiasta da escrita e do desenho, e quem lia e via as minhas coisas dizia sempre que devia fazer mais qualquer coisa daquilo. Nunca pensei nas Crónicas além da BD e da escrita. Se um dia a oportunidade surgir, não direi que não, mas por agora esta história é o que é.
Com o Volume 01 terminado e o segundo a meio, afirmo que ainda estou em aprendizagem. Afinal, quando acabei a primeira versão do Volume 01, ainda fiz duas revisões dele. A primeira revisão obrigou-me inclusivamente a fazer de novo um capítulo inteiro!
Reconheço que o caminho é longo e vai exigir muita luta. Mas é nessa luta que crescemos como pessoas e profissionais.
Costumo dizer que, se os leitores sentirem aquilo que nós – autores - sentimos, o nosso propósito foi totalmente cumprido. É isso que me motiva.
Entrevistador: Marco Fraga Silva
Artigo web: Sérgio Santos
Futuramente continuarão a ser publicadas entrevistas referentes a várias personalidades de destaque ligadas ao universo da BD.