RESENHA BD
Panorama do Inferno, de Hideshi Hino
27-09-2021
Da corrente leva de novidades mangá no panorama editorial português, esta é aquela que me parece ser a edição mais arriscada. Hino é diametralmente oposto aos títulos pop que fazem furor nos jovens leitores (sei do que falo, os meus alunos adoram), e também não se enquadra no lado mais erudito do género. Aliás, enquadrar Hino não é tarefa fácil, é apontado como autor de terror, mas as visões que invoca estão muito longe do ideário tradicional do género.
É melhor assumir, e afirmar de frente: Panorama do Inferno é um portento de livro, daqueles que com toda a justiça é uma das obras primas da banda desenhada japonesa. É também um livro que vai assustar, ou revolver o estômago, de muitos dos seus leitores. Especialmente se pegarem nele à espera de encontrar alguns pequenos calafrios de arrepio fantasmagórico. Temo que o choque com a visceralidade de Hino seja algo binário, ou cause traumas, ou desperta paixões.
Basta folhear o livro para perceber que não estamos no terreno da normalidade estética do manga. O estilo gráfico de Hino é deliberado na sua deformidade, invertendo de forma tétrica quer o realismo quer o estilismo dos cartoons. As suas vinhetas são concebidas para serem simultaneamente repelentes e fascinantes. Tudo é pensado para chocar o leitor. É nesta violência visual que se encontra em parte a ligação ao terror.
Da corrente leva de novidades mangá no panorama editorial português, esta é aquela que me parece ser a edição mais arriscada. Hino é diametralmente oposto aos títulos pop que fazem furor nos jovens leitores (sei do que falo, os meus alunos adoram), e também não se enquadra no lado mais erudito do género. Aliás, enquadrar Hino não é tarefa fácil, é apontado como autor de terror, mas as visões que invoca estão muito longe do ideário tradicional do género.
É melhor assumir, e afirmar de frente: Panorama do Inferno é um portento de livro, daqueles que com toda a justiça é uma das obras primas da banda desenhada japonesa. É também um livro que vai assustar, ou revolver o estômago, de muitos dos seus leitores. Especialmente se pegarem nele à espera de encontrar alguns pequenos calafrios de arrepio fantasmagórico. Temo que o choque com a visceralidade de Hino seja algo binário, ou cause traumas, ou desperta paixões.
Basta folhear o livro para perceber que não estamos no terreno da normalidade estética do manga. O estilo gráfico de Hino é deliberado na sua deformidade, invertendo de forma tétrica quer o realismo quer o estilismo dos cartoons. As suas vinhetas são concebidas para serem simultaneamente repelentes e fascinantes. Tudo é pensado para chocar o leitor. É nesta violência visual que se encontra em parte a ligação ao terror.
O resto do horror é a história, uma sucessão de delírios em progressão degenerada, de um surrealismo negro que faz o Grand Guignol empalidecer e parecer de inocência infantil. Parte deste Panorama é puro imaginário negro, embora ao longo da evolução da obra Hino nos traga memórias distorcidas pelo seu trauma, de uma infância vivida nos piores tempos e geografias do descalabro do imperialismo japonês.
Os monstros de Hino não são redentores, e este não é exceção. Panorama do Inferno foca-se num pintor obcecado por visões infernais e sangue. Mas não estamos no campo das visões de demónios das iconografias europeias (para isso, para ver o brutal cruzamento entre sensibilidade japonesa e estilismo europeu nos domínios da visceralidade, há que ler Suehiro Maruo). São visões de brutalidade e carnalidade, de vísceras e sangue, obcecadas pela sujidade e decomposição. Ao longo das muito curtas mas progressivamente decadentes histórias, vamos conhecendo os pesadelos adorados pelo pintor, a sua igualmente decadente família, e a sua maior ambição: pintar um panorama do inferno tão infernal, que destrua uma humanidade e lhe liberte a violência inata. É assim que o livro termina, com uma invectiva final aos leitores, um apelo ao sonho negro, um ataque final à nossa inoência destroçada.
Espantosa, esta proposta literária tão potencialmente polémica. Creio que só não o é, dado o estatuto de culto do autor, e a pouca acessibilidade da obra. Que, sublinho, é brilhante. É certo que não é para todas as sensibilidades, mas a decadência disforme e visceral de Hino merece ser descoberta. Uma excelente oferta da editora Sendai, que inicia aqui o seu catálogo, que pessoalmente estranho não ser muito acessível em livrarias.
Artur Coelho
Os monstros de Hino não são redentores, e este não é exceção. Panorama do Inferno foca-se num pintor obcecado por visões infernais e sangue. Mas não estamos no campo das visões de demónios das iconografias europeias (para isso, para ver o brutal cruzamento entre sensibilidade japonesa e estilismo europeu nos domínios da visceralidade, há que ler Suehiro Maruo). São visões de brutalidade e carnalidade, de vísceras e sangue, obcecadas pela sujidade e decomposição. Ao longo das muito curtas mas progressivamente decadentes histórias, vamos conhecendo os pesadelos adorados pelo pintor, a sua igualmente decadente família, e a sua maior ambição: pintar um panorama do inferno tão infernal, que destrua uma humanidade e lhe liberte a violência inata. É assim que o livro termina, com uma invectiva final aos leitores, um apelo ao sonho negro, um ataque final à nossa inoência destroçada.
Espantosa, esta proposta literária tão potencialmente polémica. Creio que só não o é, dado o estatuto de culto do autor, e a pouca acessibilidade da obra. Que, sublinho, é brilhante. É certo que não é para todas as sensibilidades, mas a decadência disforme e visceral de Hino merece ser descoberta. Uma excelente oferta da editora Sendai, que inicia aqui o seu catálogo, que pessoalmente estranho não ser muito acessível em livrarias.
Artur Coelho
Panorama do Inferno
Autor: Hideshi Hino
Editora: Sendai
Ano de edição: 2021
Páginas: 208 páginas, capa mole
Preço: 10€