RESENHA BD
Octobriana y los vengadores soviéticos contra el capitalismo nuclear, de Fernando Llor
06-06-2022
Corro o risco de ser desiludido, pensei, quando olhei mais atentamente para este cómic. Foi compra de impulso, com o cérebro algo saturado pela incrível diversidade de banda desenhada mainstream e independente que se encontra numa livraria independente sevilhana. Livraria generalista, note-se, disponibilizando em três pisos de um edifício numa ruela próxima das Setas uma enorme diversidade bibliográfica. Em viagem a trabalho, mas nos tempos livres, a prioridade não vai para as tapas e lojas, é sempre tão mais interessante ir descobrir as livrarias locais. Por entre um acervo de luxo, que incluía livros entre Cowboy Henk e From Hell, apareceu-me o que parecia ser uma impressão barata de um clássico da literatura samizdat.
Octobriana tem uma génese estranha, artefacto cultural dos tempos em que a Guerra Fria apertava e o lado soviético já sentia a decadência. Apesar de ser vista como uma obra samizdat, de leitura underground pelas elites culturais russas, na verdade não é, foi criação do designer e crítico cultural checo Petr Sadecký. Ou melhor, apropriação, porque o que o suposto criador se apropriou do trabalho de desenhadores checos e apresentou-o a editoras europeias como criação sua, num período em que vivia no lado ocidental da cortina de ferro.
Estas desventuras editoriais, de apropriação descarada, acumulam à já em si premissa bizarra desta personagem. Octobriana é uma mescla da estética pop dos super-heróis, misturando o poder de uma Wonder Woman com a sexualidade de uma Barbarella. A sua missão é defender a pureza do socialismo puro, face às terríveis ameaças do capitalismo. Uma óbvia sátira política, especialmente se nos recordamos que vem dos tempos em que o regime soviético se começou a esboroar. E daquelas personagens que se torna mais interessante por ter sido criada, do que pelas suas histórias em si. O livro original é fragmentário (porque, enfim, fica difícil convencer desenhadores que foram roubados a fazer um trabalho completo), mas a personagem, por ter um estatuto de direitos de autor incerto, tem sido repescada por diferentes autores. Não deixa de ser uma referência obscura, mas daquelas que faz sorrir os fãs, pelo seu enorme peso conceptual e histórico.
Corro o risco de ser desiludido, pensei, quando olhei mais atentamente para este cómic. Foi compra de impulso, com o cérebro algo saturado pela incrível diversidade de banda desenhada mainstream e independente que se encontra numa livraria independente sevilhana. Livraria generalista, note-se, disponibilizando em três pisos de um edifício numa ruela próxima das Setas uma enorme diversidade bibliográfica. Em viagem a trabalho, mas nos tempos livres, a prioridade não vai para as tapas e lojas, é sempre tão mais interessante ir descobrir as livrarias locais. Por entre um acervo de luxo, que incluía livros entre Cowboy Henk e From Hell, apareceu-me o que parecia ser uma impressão barata de um clássico da literatura samizdat.
Octobriana tem uma génese estranha, artefacto cultural dos tempos em que a Guerra Fria apertava e o lado soviético já sentia a decadência. Apesar de ser vista como uma obra samizdat, de leitura underground pelas elites culturais russas, na verdade não é, foi criação do designer e crítico cultural checo Petr Sadecký. Ou melhor, apropriação, porque o que o suposto criador se apropriou do trabalho de desenhadores checos e apresentou-o a editoras europeias como criação sua, num período em que vivia no lado ocidental da cortina de ferro.
Estas desventuras editoriais, de apropriação descarada, acumulam à já em si premissa bizarra desta personagem. Octobriana é uma mescla da estética pop dos super-heróis, misturando o poder de uma Wonder Woman com a sexualidade de uma Barbarella. A sua missão é defender a pureza do socialismo puro, face às terríveis ameaças do capitalismo. Uma óbvia sátira política, especialmente se nos recordamos que vem dos tempos em que o regime soviético se começou a esboroar. E daquelas personagens que se torna mais interessante por ter sido criada, do que pelas suas histórias em si. O livro original é fragmentário (porque, enfim, fica difícil convencer desenhadores que foram roubados a fazer um trabalho completo), mas a personagem, por ter um estatuto de direitos de autor incerto, tem sido repescada por diferentes autores. Não deixa de ser uma referência obscura, mas daquelas que faz sorrir os fãs, pelo seu enorme peso conceptual e histórico.
O que explica esta edição espanhola. Aqui, o argumentista Fernando Llor é encarregue de insuflar vida neste personagem anacrónico. Fá-lo com uma estética de punk acérbico, sem se preocupar com limites ou coerências. Pretensão ao realismo é abandonado antes sequer de se olhar para a primeira prancha, porque é a sátira assumida que está em evidência. Das primeiras pranchas, a satirizar repescando a iconografia do renascimento de Captain America (uma piada óbvia, fazer regressar a heroína do comunismo soviético nos mesmos moldes do que um dos maiores ícones do imperialismo americano), às últimas, onde terá de eliminar com extremo prejuízo um cyborg atómico suspeitosamente similar a Trump. As piores ameaças do capitalismo terão de ser enfrentadas pela heroína vinda dos tempos sovietes, com ajuda da super-equipa constituída por Laika, a cadela que foi ao espaço (e encerra dentro de si um monstro alienígena), Gagarin, o cosmonauta que agora viaja entre dimensões, e Trotsky, que afinal sobreviveu ao assassinato no México e usa o martelo espetado na cabeça para hipnotizar os adversários com a pureza ideológica do trotskysmo.
Porquê, perguntam-se? É preciso responder? Sátira punk, explorar limites, atrever o détournement das iconografias pop. Em suma, a resposta sintética é um simples e porque não.
A ilustração está a cargo de cinco desenhadores espanhóis, que trazem os seus diferentes estilos ao recriar da personagem. Oscila entre o grafismo punk acutilante e um certo surrealismo psicadélico. O resultado final é uma curiosa homenagem a um ícone underground. Uma leitura divertida, sem pretensões, acérbica e pensada como um profundo "que se lixe, vamos fazer isto porque sim". Não fiquei com essa raridade editorial que seria uma edição da Octobriana original, mas digamos que também não saí mal servido da leitura.
Artur Coelho
Porquê, perguntam-se? É preciso responder? Sátira punk, explorar limites, atrever o détournement das iconografias pop. Em suma, a resposta sintética é um simples e porque não.
A ilustração está a cargo de cinco desenhadores espanhóis, que trazem os seus diferentes estilos ao recriar da personagem. Oscila entre o grafismo punk acutilante e um certo surrealismo psicadélico. O resultado final é uma curiosa homenagem a um ícone underground. Uma leitura divertida, sem pretensões, acérbica e pensada como um profundo "que se lixe, vamos fazer isto porque sim". Não fiquei com essa raridade editorial que seria uma edição da Octobriana original, mas digamos que também não saí mal servido da leitura.
Artur Coelho
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Octobriana y los vengadores soviéticos contra el capitalismo nuclear
Autores: Fernando Llor, Jéssica Silván, Román López Cabrera, Pablo Prado, José Órtiz
Editora: Cósmica Editorial
Ano de edição: 2021
Páginas: 72 páginas, capa mole
Preço: 10€
Octobriana y los vengadores soviéticos contra el capitalismo nuclear
Autores: Fernando Llor, Jéssica Silván, Román López Cabrera, Pablo Prado, José Órtiz
Editora: Cósmica Editorial
Ano de edição: 2021
Páginas: 72 páginas, capa mole
Preço: 10€