RESENHA BD
O Penteador, Paulo J. Mendes
31-10-2020
Há livros assim. Daqueles em que pegamos com alguma curiosidade, e folheamos porque algum pormenor nos capta ao olho. Sentamo-nos para o ler, mas o tempo não perdoa e por pouco não fica esquecido nas pilhas das estantes da vergonha, esse purgatório de livros à espera de leitura. E, quando finalmente lhe damos atenção, somos levados por uma obra que nos surpreende.
Este Penteador é um caso desses. O livro é discreto, e tendo sido publicado pela Escorpião Azul, tem também um impacto discreto em termos promocionais. Também tem escapado ao radar da crítica, pelo menos por enquanto. Espero que isso mude. Este livro merece um maior destaque. Não hesito em dizer que é das melhores leituras de banda desenhada portuguesa que fiz este ano. O que é dizer muito, num ano em que apesar da contração pandémica, teve edições de peso. Estamos a falar do ano em que Andrómeda chegou ao grande público, e a Umbra se veio juntar ao panorama da BD. O mais recente de Filipe Melo e Juan Cavia está a reunir elogios, mas esse ainda não está nos meus planos de leitura.
Há livros assim. Daqueles em que pegamos com alguma curiosidade, e folheamos porque algum pormenor nos capta ao olho. Sentamo-nos para o ler, mas o tempo não perdoa e por pouco não fica esquecido nas pilhas das estantes da vergonha, esse purgatório de livros à espera de leitura. E, quando finalmente lhe damos atenção, somos levados por uma obra que nos surpreende.
Este Penteador é um caso desses. O livro é discreto, e tendo sido publicado pela Escorpião Azul, tem também um impacto discreto em termos promocionais. Também tem escapado ao radar da crítica, pelo menos por enquanto. Espero que isso mude. Este livro merece um maior destaque. Não hesito em dizer que é das melhores leituras de banda desenhada portuguesa que fiz este ano. O que é dizer muito, num ano em que apesar da contração pandémica, teve edições de peso. Estamos a falar do ano em que Andrómeda chegou ao grande público, e a Umbra se veio juntar ao panorama da BD. O mais recente de Filipe Melo e Juan Cavia está a reunir elogios, mas esse ainda não está nos meus planos de leitura.
O Penteador não surpreende pela sua incisividade. Nem pela sua dureza, escatologia ou visão profunda. Não nos mergulha em intricados mundos de fantasia, não nos fala dos dramas agonizantes de indivíduos. Creio que a melhor forma de o descrever é ir roubar o chavão a uma velha série de comédia dos anos 90: é um livro sobre... nada em especial. E, com isso, consegue ser sobre tudo.
Diga-se que esta é das leituras mais humanas e bem dispostas que li. Onde a história desliza num suave bom humor, que não é forçado ou propositadamente ridículo, e mesmo assim nos faz rir à gargalhada. Há uma sequência em especial, três vinhetas com um padre no confessionário e uma das suas ovelhas, que me fez ir às lágrimas. Subtil, como tantos detalhes neste livro, divertido e bem longe do corrosivo. O Penteador é, acima de tudo, um livro positivo.
É-me impossível não olhar para este livro sem referenciar o trabalho de José Carlos Fernandes, bem como o de umas das suas inspirações, Ben Katchor. O Penteador recorda-me o trabalho destes autores pela forma simples como constrói mundos de discreto surrealismo. Se bem que o caminho seguido por Paulo Mendes seja o do humor humanista, e não do onirismo mais intimista destes autores. Isso é notório ao longo de todas as páginas.
Visualmente, o livro é também uma excelente surpresa. A capa não lhe faz muita justiça, porque a arquitetura urbana tradicional é uma das grandes personagens deste livro. Há muito de norte nas ruas de aldeia e cidade que retrata, com os seus monumentos caricaturais. Visualmente, o livro tem imenso de estética do Porto. São referências visuais ricas, que tornam a leitura ainda mais apaixonante.
Mas e então, de que trata uma obra que me deixou tão encantado? Quando o jovem Mafaldo Limparrim chega à cidade, vindo das ilhas para começar a sua vida, tem a sorte de encontrar um emprego peculiar. E mais peculiar é o seu patrão, que vive numa vila suburbana de má fama, aparentemente acometido de doenças debilitantes. Quando o conhece, descobre o real problema dos supostos maus ares da localidade, numa história em que a cada episódio se juntam mais incautos que descobrem a dureza da vida na vila de Poço Redondo. Ordálios crescentes, que acabam invariavelmente na hora mágica da névoa e lareiras, e depressa se desvia para passeios naturistas ao anoitecer. Uma vila onde uma capela oculta um tremendo segredo que abalará a igreja, e, se o querem ficar a conhecer, terão mesmo de ler o livro.
O Penteador é um livro sobre tudo, e sobre nada. Sobre as coisas simples, a amizade, o convívio, os sorrisos, o lado báquico da vida. Uma excelente e discreta surpresa, um dos melhores livros que li este ano. Um livro que nos deixa a sorrir, com o seu humor destravado embora discreto. Algo que, nos tempos que correm, é especialmente tocante.
Artur Coelho
Diga-se que esta é das leituras mais humanas e bem dispostas que li. Onde a história desliza num suave bom humor, que não é forçado ou propositadamente ridículo, e mesmo assim nos faz rir à gargalhada. Há uma sequência em especial, três vinhetas com um padre no confessionário e uma das suas ovelhas, que me fez ir às lágrimas. Subtil, como tantos detalhes neste livro, divertido e bem longe do corrosivo. O Penteador é, acima de tudo, um livro positivo.
É-me impossível não olhar para este livro sem referenciar o trabalho de José Carlos Fernandes, bem como o de umas das suas inspirações, Ben Katchor. O Penteador recorda-me o trabalho destes autores pela forma simples como constrói mundos de discreto surrealismo. Se bem que o caminho seguido por Paulo Mendes seja o do humor humanista, e não do onirismo mais intimista destes autores. Isso é notório ao longo de todas as páginas.
Visualmente, o livro é também uma excelente surpresa. A capa não lhe faz muita justiça, porque a arquitetura urbana tradicional é uma das grandes personagens deste livro. Há muito de norte nas ruas de aldeia e cidade que retrata, com os seus monumentos caricaturais. Visualmente, o livro tem imenso de estética do Porto. São referências visuais ricas, que tornam a leitura ainda mais apaixonante.
Mas e então, de que trata uma obra que me deixou tão encantado? Quando o jovem Mafaldo Limparrim chega à cidade, vindo das ilhas para começar a sua vida, tem a sorte de encontrar um emprego peculiar. E mais peculiar é o seu patrão, que vive numa vila suburbana de má fama, aparentemente acometido de doenças debilitantes. Quando o conhece, descobre o real problema dos supostos maus ares da localidade, numa história em que a cada episódio se juntam mais incautos que descobrem a dureza da vida na vila de Poço Redondo. Ordálios crescentes, que acabam invariavelmente na hora mágica da névoa e lareiras, e depressa se desvia para passeios naturistas ao anoitecer. Uma vila onde uma capela oculta um tremendo segredo que abalará a igreja, e, se o querem ficar a conhecer, terão mesmo de ler o livro.
O Penteador é um livro sobre tudo, e sobre nada. Sobre as coisas simples, a amizade, o convívio, os sorrisos, o lado báquico da vida. Uma excelente e discreta surpresa, um dos melhores livros que li este ano. Um livro que nos deixa a sorrir, com o seu humor destravado embora discreto. Algo que, nos tempos que correm, é especialmente tocante.
Artur Coelho
O Penteador
Autores: Paulo J. Mendes
Editora: Escorpião Azul
Ano de edição: 2020
Páginas: 160 páginas, capa mole
Preço: 15€