RESENHA BD
O Espírito do Escorpião, Fernando Llor e Pablo Caballo
24/05/2020
Estamos em Belgrado, quase no final da primeira década do século XXI. Mulheres em desespero pela sua fertilidade descobrem as técnicas aparentemente miraculosas de um discreto curandeiro. Discreto, mas excêntrico nas terapias que usa para as parecer tratar dos seus males. A impressão que deixa é de tal forma que ganha seguidoras para a vida.
Estamos na Bósnia, nos primeiros anos do final do século XX. Nos tempos tumultuosos da desagregação da Jugoslávia, que após a queda do muro de Berlim se desagregou em regiões e proto-estados. Onde o impensável aconteceu, velhos ódios étnicos recalcados desde o final da II Guerra, ou talvez pura xenofobia sempre a borbulhar debaixo da capa da civilização, descarrilaram no impensável. Uma sangrenta e violenta guerra civil na Europa, às portas da União Europeia. Guerra de antigo amigo contra amigo, de vizinho contra vizinho, com a suposta união eslávica a desmoronar-se num sujo conflito interétnico. Tão sujo que recuperou algo ainda mais impensável na Europa moderna, o genocídio e os campos de concentração.
Entre as muitas atrocidades cometidas nesses tempos negros, destaca-se o massacre de Srebrenica. Uma aldeia bósnia, onde comandos sérvios executaram toda a população masculina com mais de 12 anos. Massacre, crime de guerra, limpeza étnica, crime contra a humanidade, o resultado de ódios à flor da pele e dedo leve nos gatilhos. E com um responsável direto: o líder sérvio-bósnio, Radovan Karadzic, que após o fim do conflito andou uns anos a monte, fugido de uma justiça que eventualmente o apanhou para o condenar pelos muitos crimes de guerra que ordenou e cometeu.
Qual a relação entre o discreto curandeiro e o político assassino? Aqui, vou cair num lugar comum. Têm de pegar neste fortíssimo Sorriso do Escorpião para perceber. Nele, os seus autores revêem a história recente da Europa de uma forma que não deixa os leitores indiferentes.
Estamos em Belgrado, quase no final da primeira década do século XXI. Mulheres em desespero pela sua fertilidade descobrem as técnicas aparentemente miraculosas de um discreto curandeiro. Discreto, mas excêntrico nas terapias que usa para as parecer tratar dos seus males. A impressão que deixa é de tal forma que ganha seguidoras para a vida.
Estamos na Bósnia, nos primeiros anos do final do século XX. Nos tempos tumultuosos da desagregação da Jugoslávia, que após a queda do muro de Berlim se desagregou em regiões e proto-estados. Onde o impensável aconteceu, velhos ódios étnicos recalcados desde o final da II Guerra, ou talvez pura xenofobia sempre a borbulhar debaixo da capa da civilização, descarrilaram no impensável. Uma sangrenta e violenta guerra civil na Europa, às portas da União Europeia. Guerra de antigo amigo contra amigo, de vizinho contra vizinho, com a suposta união eslávica a desmoronar-se num sujo conflito interétnico. Tão sujo que recuperou algo ainda mais impensável na Europa moderna, o genocídio e os campos de concentração.
Entre as muitas atrocidades cometidas nesses tempos negros, destaca-se o massacre de Srebrenica. Uma aldeia bósnia, onde comandos sérvios executaram toda a população masculina com mais de 12 anos. Massacre, crime de guerra, limpeza étnica, crime contra a humanidade, o resultado de ódios à flor da pele e dedo leve nos gatilhos. E com um responsável direto: o líder sérvio-bósnio, Radovan Karadzic, que após o fim do conflito andou uns anos a monte, fugido de uma justiça que eventualmente o apanhou para o condenar pelos muitos crimes de guerra que ordenou e cometeu.
Qual a relação entre o discreto curandeiro e o político assassino? Aqui, vou cair num lugar comum. Têm de pegar neste fortíssimo Sorriso do Escorpião para perceber. Nele, os seus autores revêem a história recente da Europa de uma forma que não deixa os leitores indiferentes.
Fernando Llor tece um brilhante argumento neste livro. Olha com detalhe de historiador para os acontecimentos, mas conta-os com elegância de romancista. Saibamos ou não os factos históricos, o que interessa é o fio condutor que nos leva ao longo de uma história com duas vertentes aparentemente desconexas, mas que se cruzam perfeitamente no final.
Já o traço de Pablo Caballo dá a este livro o tom soturno que merece. Fortemente expressionista, a deixar de lado o realismo em busca de uma estética assumidamente suja, sublinha a negritude dos acontecimentos. Não é um traço fácil de engolir, mas a lição história também não merece ser suavizada.
Já o traço de Pablo Caballo dá a este livro o tom soturno que merece. Fortemente expressionista, a deixar de lado o realismo em busca de uma estética assumidamente suja, sublinha a negritude dos acontecimentos. Não é um traço fácil de engolir, mas a lição história também não merece ser suavizada.
Este excelente lançamento da Escorpião Azul passou-me um pouco ao lado aquando do seu lançamento. E, por curiosidade, tornou-se a minha primeira aquisição pós-confinamento Covid-19. Mal foi possível, regressei à única livraria que sabia estar aberta na zona onde vivo (problemas da massificação dos consumos, fora de Lisboa grande parte das livrarias está em zonas comerciais que estão fechadas). Foi assim que me vi numa silenciosa Livraria de Santiago, a perscrutar a sua excelente secção de banda desenhada, depois de atravessar uma Óbidos deserta.
No meio dos tempos que vivemos, regressar a uma livraria não trouxe o prazer que esperava. Foi, até, um momento de amargura, que se saldou no ter deixado de resistir a esta obra madura, pensada para esmurrar o estômago do leitor com o peso da história recente da Europa. Num momento em que a esperança não está em alta, ler sobre um outro momento negro da história humana dá uma curiosa confiança no futuro.
Artur Coelho
No meio dos tempos que vivemos, regressar a uma livraria não trouxe o prazer que esperava. Foi, até, um momento de amargura, que se saldou no ter deixado de resistir a esta obra madura, pensada para esmurrar o estômago do leitor com o peso da história recente da Europa. Num momento em que a esperança não está em alta, ler sobre um outro momento negro da história humana dá uma curiosa confiança no futuro.
Artur Coelho
O Espírito do Escorpião
Autores: Fernado Llor, Pablo Caballo
Editora: Escorpião Azul
Ano de edição: 2019
Páginas: 152 páginas, capa mole
Preço: 15€