RESENHA BD
O Coração na Boca, Horácio Gomes
21-11-2021
A banda desenhada é uma arte ingrata. Tanto tempo e esforço de criação que exige, e é consumida muito depressa pelo leitor. Faz parte das características intrínsecas do meio, o ser de rápida leitura. Mas, por detrás das poucas horas de leitura de uma banda desenhada, ocultam-se muitas horas de meticuloso trabalho. De conceção narrativa, estudo de personagens, esboço de vinhetas e pranchas, desenho, colorização, arte final, letragem, da imensidade de detalhes da banda desenhada.
É também das artes mais fáceis de desvalorizar. São histórias com bonecos, diz-se, arrepelando o pensamento de quem sabe que é tão mais que isso. São histórias simples, para crianças, diz-se, deixando aturdido quem conhece a vastidão de temas que a banda desenhada aborda. A par com o romance literário, a BD tem sido um dos meios bibliográficos privilegiados para explorar a complexidade da alma humana.
Quando se é fã de BD, e literaturas de género, que por cá serão sempre um reduzido nicho, ao fim de algum tempo endurecemos um pouco face aos ciclos das vozes de surgem, muitas vezes surpreendentes ou fulgurantes, e depressa desaparecem. Uma parte significativa da minha biblioteca é constituída por esse tipo de trabalhos. Porque é que temos por cá esses ciclos? Há várias explicações, entre os nichos culturais, e a impossibilidade de fazer vida ou carreira a explorar esses nichos. Safam-se os que conseguem chegar ao mercado internacional, mas para a maioria, a paixão por criar, bd, literatura, outras artes, fica demasiadas vezes para trás. Chamo a isso o efeito "a vida acontece", com as pressões de vidas familiares e profissionais a sobreporem-se ao impulso criativo. O tempo não chega para tudo.
Estas três ideias pesaram na mente, durante a leitura deste espantoso livro. Na verdade, reduzi-lo a estes aspetos é injusto, que o tomo é complexo e faz-se-lhe pouca justiça com uma leitura. Mas estas três são as que me pesam mais.
A banda desenhada é uma arte ingrata. Tanto tempo e esforço de criação que exige, e é consumida muito depressa pelo leitor. Faz parte das características intrínsecas do meio, o ser de rápida leitura. Mas, por detrás das poucas horas de leitura de uma banda desenhada, ocultam-se muitas horas de meticuloso trabalho. De conceção narrativa, estudo de personagens, esboço de vinhetas e pranchas, desenho, colorização, arte final, letragem, da imensidade de detalhes da banda desenhada.
É também das artes mais fáceis de desvalorizar. São histórias com bonecos, diz-se, arrepelando o pensamento de quem sabe que é tão mais que isso. São histórias simples, para crianças, diz-se, deixando aturdido quem conhece a vastidão de temas que a banda desenhada aborda. A par com o romance literário, a BD tem sido um dos meios bibliográficos privilegiados para explorar a complexidade da alma humana.
Quando se é fã de BD, e literaturas de género, que por cá serão sempre um reduzido nicho, ao fim de algum tempo endurecemos um pouco face aos ciclos das vozes de surgem, muitas vezes surpreendentes ou fulgurantes, e depressa desaparecem. Uma parte significativa da minha biblioteca é constituída por esse tipo de trabalhos. Porque é que temos por cá esses ciclos? Há várias explicações, entre os nichos culturais, e a impossibilidade de fazer vida ou carreira a explorar esses nichos. Safam-se os que conseguem chegar ao mercado internacional, mas para a maioria, a paixão por criar, bd, literatura, outras artes, fica demasiadas vezes para trás. Chamo a isso o efeito "a vida acontece", com as pressões de vidas familiares e profissionais a sobreporem-se ao impulso criativo. O tempo não chega para tudo.
Estas três ideias pesaram na mente, durante a leitura deste espantoso livro. Na verdade, reduzi-lo a estes aspetos é injusto, que o tomo é complexo e faz-se-lhe pouca justiça com uma leitura. Mas estas três são as que me pesam mais.
O trabalho gráfico é narrativo minucioso, cuidado e bem estudado tem por detrás um enorme trabalho, de anos de esforço. Isso é patente no esplendoroso desenho deste autor. Cada vinheta é apaixonante, com um realismo equilibrado com onirismo, transmitindo ao leitor mais do que w mera ilustração de palavras, complementando e indo para além do texto. O traço, fabuloso, apaixonante, deste autor é o elemento que imediatamente salta à vista mal se folheia o livro. Só pelo lado visual já vale muito a pena a leitura. Saber, pelo seu prefácio e ao longo da história, as dificuldades da sua concepção dão-lhe um valor adicional.
O efeito "a vida acontece" é o tema central deste livro. Profundamente pessoal, corajoso na forma como aborda a fragilidade da personalidade, um livro tão íntimo que por vezes, como leitor, me senti intrusivo. Coração na Boca é uma banda desenhada de estilo biográfico, replicando por cá uma corrente já clássica da BD independente americana, a da história de vida, com os seus sucessos, dramas e tragédias.
Ao mergulhar na leitura, percebe.se que este livro só faz sentido assim, como exercício de auto-exame psicológico transmutado em obra de arte. Nisso, é tremendo. Não deixa o leitor indiferente, é uma leitura que abala. É este o poder das grandes histórias, mesmo que sejam sobre algo aparentemente banal como as vicissitudes da vida quotidiana, dos pequenos dramas pessoais. Pequenos, vistos de um ponto de vista sistémico, porque para quem os vive, são tremendos e opressivos, e por vezes sem saída. Todos os vivemos, a dadas alturas das nossas vidas, faz parte da condição humana. O poder da narrativa, da banda desenhada, está neste partilhar da dor, das dúvidas e alegrias, compreender e criar empatia com a história de um outro ser humano.
Este é um livro corajoso, algo atípico no panorama português, onde a BD autobiográfica não é usual. Uma obra fortíssima, que nos abala, que pega no tema da paternidade, da dedicação de um pai à sua filha, para um exame reflexivo às vicissitudes da vida. É preciso coragem para expor estas fragilidades tão a público, numa obra muito pessoal.
O Coração na Boca não é uma leitura que mereça ser lida de ânimo leve. Nem tal me parece possível, a profundidade da exposição íntima do seu criador não permite indiferenças. É um trabalho reflexivo, de sublimação das agruras interiores do indivíduo através da arte. Um trabalho cuidado, meticuloso, cuja aparente leveza é sustentada por um enorme esforço estético e narrativo. Visualmente apaixonante, com um estilo visual espantoso. Não é um livro para todos. Suspeito que quem tenha menos experiência de vida, não o sentirá com tanta força.
O ano de 2021 começa a aproximar-se do fim, com as novidades editoriais a esgotarem-se. Atrevo-me a dizer que esta proposta da Escorpião Azul é dos melhores livros de banda desenhada portuguesa editado este ano.
Artur Coelho
O efeito "a vida acontece" é o tema central deste livro. Profundamente pessoal, corajoso na forma como aborda a fragilidade da personalidade, um livro tão íntimo que por vezes, como leitor, me senti intrusivo. Coração na Boca é uma banda desenhada de estilo biográfico, replicando por cá uma corrente já clássica da BD independente americana, a da história de vida, com os seus sucessos, dramas e tragédias.
Ao mergulhar na leitura, percebe.se que este livro só faz sentido assim, como exercício de auto-exame psicológico transmutado em obra de arte. Nisso, é tremendo. Não deixa o leitor indiferente, é uma leitura que abala. É este o poder das grandes histórias, mesmo que sejam sobre algo aparentemente banal como as vicissitudes da vida quotidiana, dos pequenos dramas pessoais. Pequenos, vistos de um ponto de vista sistémico, porque para quem os vive, são tremendos e opressivos, e por vezes sem saída. Todos os vivemos, a dadas alturas das nossas vidas, faz parte da condição humana. O poder da narrativa, da banda desenhada, está neste partilhar da dor, das dúvidas e alegrias, compreender e criar empatia com a história de um outro ser humano.
Este é um livro corajoso, algo atípico no panorama português, onde a BD autobiográfica não é usual. Uma obra fortíssima, que nos abala, que pega no tema da paternidade, da dedicação de um pai à sua filha, para um exame reflexivo às vicissitudes da vida. É preciso coragem para expor estas fragilidades tão a público, numa obra muito pessoal.
O Coração na Boca não é uma leitura que mereça ser lida de ânimo leve. Nem tal me parece possível, a profundidade da exposição íntima do seu criador não permite indiferenças. É um trabalho reflexivo, de sublimação das agruras interiores do indivíduo através da arte. Um trabalho cuidado, meticuloso, cuja aparente leveza é sustentada por um enorme esforço estético e narrativo. Visualmente apaixonante, com um estilo visual espantoso. Não é um livro para todos. Suspeito que quem tenha menos experiência de vida, não o sentirá com tanta força.
O ano de 2021 começa a aproximar-se do fim, com as novidades editoriais a esgotarem-se. Atrevo-me a dizer que esta proposta da Escorpião Azul é dos melhores livros de banda desenhada portuguesa editado este ano.
Artur Coelho
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O Coração na Boca
Autor: Horácio Gomes
Editora: Escorpião Azul
Ano de edição: 2021
Páginas: 136 páginas, capa mole
Preço: 22€
O Coração na Boca
Autor: Horácio Gomes
Editora: Escorpião Azul
Ano de edição: 2021
Páginas: 136 páginas, capa mole
Preço: 22€