MESTRES DA BD
Frank Miller
2017-08-09
Há quase trinta anos que o autor de O Cavaleiro das Trevas é merecidamente referenciado com admiração nas discussões sobre BD. inicialmente estava muito associado ao mundo dos super-heróis, que ele influenciou de forma radical, mas posteriormente também ficou vinculado a uma BD mais adulta.
O difícil início de carreira
Na realidade, ele aproximou-se da BD de forma bastante tímida, sem grandes pretensões. Apaixonado por histórias policiais noir, um dos seus autores predilectos era o Mickey Spillane, criador do detective Mike Hammer. Miller provavelmente sonhava em colocar na banda desenhada as aventuras desse personagem quando foi para Nova York em 1975, aos 18 anos. Não encontrou espaço para esse tipo de histórias na produção da BD dessa época, muito mais promissora então (como ainda hoje), para aqueles que se predispunham a realizar histórias protagonizadas por super-heróis, mas também não quis retornar para sua terra natal, Vermont, um dos mais rurais estados norte-americanos. Pretendia conquistar New York e conseguiu isso anos depois.
Não foi fácil, no começo. Nas muitas entrevistas que posteriormente concedeu, Miller fala dessa época como um período de incertezas, sem local para morar, sem conhecidos a quem recorrer, ele chegou quase a passar fome na Big Apple até arranjar um trabalho mais regular. Mas isso mudou com a ajuda do desenhador Neal Adams, que o ajudou a realizar o seu primeiro trabalho de BD para a editora Gold Key, na revista Twilight Zone número 84, de junho de 1978, ele criou o trabalho artistico para a história "Royal Feast". Outros trabalhos apareceriam para a DC Comics (Weird War Tales) e Marvel Comics (John Carter: Warlord of Mars, Doc Samson).
Eram histórias dispersas, trabalhos que lhe eram passados quase que como uma forma de teste, sondando as suas habilidades e persistência como artista. Assim podemos dizer que a sua progressão inicial na indústria de comics foi bastante acanhada, talvez devido um pouco à sua insegurança na área. Ele passava os dias desenhando uma única página, tentando adaptar-se ao desenho de super-heróis.
Há quase trinta anos que o autor de O Cavaleiro das Trevas é merecidamente referenciado com admiração nas discussões sobre BD. inicialmente estava muito associado ao mundo dos super-heróis, que ele influenciou de forma radical, mas posteriormente também ficou vinculado a uma BD mais adulta.
O difícil início de carreira
Na realidade, ele aproximou-se da BD de forma bastante tímida, sem grandes pretensões. Apaixonado por histórias policiais noir, um dos seus autores predilectos era o Mickey Spillane, criador do detective Mike Hammer. Miller provavelmente sonhava em colocar na banda desenhada as aventuras desse personagem quando foi para Nova York em 1975, aos 18 anos. Não encontrou espaço para esse tipo de histórias na produção da BD dessa época, muito mais promissora então (como ainda hoje), para aqueles que se predispunham a realizar histórias protagonizadas por super-heróis, mas também não quis retornar para sua terra natal, Vermont, um dos mais rurais estados norte-americanos. Pretendia conquistar New York e conseguiu isso anos depois.
Não foi fácil, no começo. Nas muitas entrevistas que posteriormente concedeu, Miller fala dessa época como um período de incertezas, sem local para morar, sem conhecidos a quem recorrer, ele chegou quase a passar fome na Big Apple até arranjar um trabalho mais regular. Mas isso mudou com a ajuda do desenhador Neal Adams, que o ajudou a realizar o seu primeiro trabalho de BD para a editora Gold Key, na revista Twilight Zone número 84, de junho de 1978, ele criou o trabalho artistico para a história "Royal Feast". Outros trabalhos apareceriam para a DC Comics (Weird War Tales) e Marvel Comics (John Carter: Warlord of Mars, Doc Samson).
Eram histórias dispersas, trabalhos que lhe eram passados quase que como uma forma de teste, sondando as suas habilidades e persistência como artista. Assim podemos dizer que a sua progressão inicial na indústria de comics foi bastante acanhada, talvez devido um pouco à sua insegurança na área. Ele passava os dias desenhando uma única página, tentando adaptar-se ao desenho de super-heróis.
O Homem Sem Medo e as primeiras Graphic Novels
O seu primeiro trabalho com um personagem mais conhecido ocorreu em 1979, quando foi convidado a fazer a arte para uma história publicada em The Spectacular Spider-Man, em que o Demolidor aparecia como uma personagem coadjuvante. Em seguida ofereceu-se para trabalhar nas histórias dessa personagem, assumindo o posto de desenhador regular no número 158, de maio de 1979. Permaneceu nessa função durante alguns meses, mas aos poucos começou a colaborar no argumento das histórias e finalmente assume individualmente a partir do número 168, quando introduz a personagem Elektra, amante e némesis do protagonista. Com isso, conseguiu uma reviravolta na carreira do Homem Sem Medo, cuja revista foi considerada a melhor publicação da Marvel Comics nos dois anos seguintes a isso contribuiu para a sua ascensão como argumentista de primeiro escalão. Permaneceu à frente desse título por vários anos, culminando a sua participação com a história "Born Again" (A queda de Murdock), publicada dos números 227 a 233, em 1986, na magistral arte de David Mazzucchelli. O protagonista, depois de politicamente arruinado, financeiramente destruído e psicológica e fisicamente destroçado encontra forças para se reerguer da derrota e continuar a sua carreira de defensor da justiça.
À parte do seu trabalho em Daredevil, Miller continuava a experimentar novas técnicas e projetos. Em 1983, produziu Ronin, uma minissérie em seis fascículos, claramente inspirada no trabalho de Kazuo Koike e Goseki Kojima no Lobo Solitário. Mas esse trabalho pioneiro de Miller não obteve muito sucesso a quando da sua publicação, talvez porque estivesse muito à frente de sua época. Ronin foi também o primeiro trabalho em que Miller deteve todos os direitos autorais, apesar do trabalho ter sido publicado pela DC Comics.
O Cavaleiro das Trevas: A consagração
Em 1986 foi convidado para elaborar uma história do Batman, um dos grandes ícones dos comics de super-heróis, ele resolveu seguir por caminhos jamais trilhados com esse personagem e literalmente realizou uma radical re-conceituação do Batman: com uma história situada dez anos após a aposentadoria do herói, o Batman de Miller é uma figura gótica, inicialmente relutante em reassumir o seu papel como justiceiro e posteriormente incorporando uma crescente brutalidade no trato com os marginais.
O mérito do seu trabalho em Batman: The Dark Knight Returns (O Cavaleiro das Trevas), no entanto, não se restringe à ousadia do argumento, relaciona-se também com o esquema de construção dos elementos visuais, estruturados com base em 16 painéis ou vinhetas por página, criando um senso de urgência que é às vezes bruscamente interrompido por meias páginas ou páginas inteiras com uma única imagem, criando um momento de alívio para o leitor. Nas próprias palavras de Miller: "Quando eu estava estruturando Cavaleiro das Trevas a primeira coisa que eu fiz foi estabelecer o esquema de 16 vinhetas em que a série inteira iria ser baseada. Isto era eu tentando tentando tratar os painéis como notas musicais para controlar o passo. Era um livro muito denso, eu estava empacotando vários elementos de maneira extremamente forte nesse ponto. Mas nota-se que a tensão desses pequenos painéis em staccato é quebrada de vez em quando por uma meia página ou por uma imagem de página inteira que é destinada não a retirar o leitor da história mas a fazer com que exista uma pausa para existir a compreensão onde a história está, qual é o objetivo. A minha ilustração favorita está no terceiro número, quando viramos a página e deparamo-nos com uma imagem do Batman e Robin sobre a cidade. Esta é provavelmente a cena mais heróica em que eles aparecem em toda a série (depoimento a Mark Salisbury, no livro Artists on Comic Art, p. 176, 178).
Artisticamente, Batman: The Dark Knight Returns representou para Frank Miller a ascensão a um novo patamar criativo, para um tipo de BD onde predominava uma atmosfera ameaçadora, bem no estilo dos romances policiais noir que ele tanto apreciava. Nessa obra específica, esse ambiente era ainda mais valorizado pela arte-final de Klaus Janson e pelas cores de Lynn Varley.
Liberdade criativa
A partir de então, Frank Miller tornou-se numa celebridade. Diversificou um pouco as suas atividades durante um tempo, realizando uma breve incursão na área cinematográfica, ambiente em que desenvolveu as primeiras versões de argumentos para as produções de Robocop II (1990) e Robocop III (1993), ambos muito retalhados pelo estúdio e recebidos com reservas tanto pela crítica e público.
Essa aventura não funcionou bem, fazendo com que chegasse a repudiar futuras adaptações dos seus comics para a Sétima Arte.
Na BD, o final da década de 1980 trouxe para Frank Miller algumas definições existenciais: embora não se afastando totalmente, resolveu diminuir o seu relacionamento artístico com os personagens mainstream das grandes editoras, ainda que estas tivessem contribuído para seu prestígio, como autor, na indústria de comics norte-americana.
Enveredou então por caminhos que outros autores de renome do período também procuravam, o da independência criativa e financeira, juntando-se à luta pela predominância do modelo de relacionamento autor/editora em que os direitos de autor permanecessem com o primeiro. Nesse sentido, encontrou um espaço acolhedor na editora Dark Horse, responsável pelo lançamento do primeiro episódio da sua série mais ambiciosa, Sin City, que surgiu na revista Dark Horse Presents número 51, de junho de 1991.
A partir de então, Frank Miller tornou-se numa celebridade. Diversificou um pouco as suas atividades durante um tempo, realizando uma breve incursão na área cinematográfica, ambiente em que desenvolveu as primeiras versões de argumentos para as produções de Robocop II (1990) e Robocop III (1993), ambos muito retalhados pelo estúdio e recebidos com reservas tanto pela crítica e público.
Essa aventura não funcionou bem, fazendo com que chegasse a repudiar futuras adaptações dos seus comics para a Sétima Arte.
Na BD, o final da década de 1980 trouxe para Frank Miller algumas definições existenciais: embora não se afastando totalmente, resolveu diminuir o seu relacionamento artístico com os personagens mainstream das grandes editoras, ainda que estas tivessem contribuído para seu prestígio, como autor, na indústria de comics norte-americana.
Enveredou então por caminhos que outros autores de renome do período também procuravam, o da independência criativa e financeira, juntando-se à luta pela predominância do modelo de relacionamento autor/editora em que os direitos de autor permanecessem com o primeiro. Nesse sentido, encontrou um espaço acolhedor na editora Dark Horse, responsável pelo lançamento do primeiro episódio da sua série mais ambiciosa, Sin City, que surgiu na revista Dark Horse Presents número 51, de junho de 1991.
Sin City era o seu sonho de dezoito anos que finalmente tornava-se realidade. Ele conseguia seguir na BD as pegadas de autores policiais que tanto admirara na juventude. Mais até: ia muito além do que estes haviam feito, criando um ritmo cinematográfico e um contraste a nível do branco e preto como poucos autores tinham feito antes dele, reflectindo a influência de grandes autores de BD como Will Eisner e Johnny Craig.
Na editora Dark Horse, Miller criou projectos na Legend, onde vários escritores e artistas publicavam obras mas mantinham a propriedade intelectual das mesmas. Nesse selo editorial, ele teve publicados Give Me Liberty (Liberdade, 1990), com Dave Gibbons; Hard Boiled (1990) e Big Guy and Rusty the Boy Robot (1996), ambos com arte de Geof Darrow; e Sin City: A Dame to Kill For(1993-1994) e Sin City: The Big Fat Kill (1994-1995), dando sequência com suas experimentações em branco e preto de forma visualmente estimulante, às aventuras do detective Marv nas ruas de Basin City. Com essa obra, o seu trabalho adquire características mais pessoais. Felizmente, Frank Miller abandonou a ideia de não permitir a transposição dos seus trabalhos em BD para o cinema. Em 2005, Sin City: A Cidade do Pecado teve direito a numa magistral produção cinematográfica dirigida por Robert Rodriguez.
Na editora Dark Horse, Miller criou projectos na Legend, onde vários escritores e artistas publicavam obras mas mantinham a propriedade intelectual das mesmas. Nesse selo editorial, ele teve publicados Give Me Liberty (Liberdade, 1990), com Dave Gibbons; Hard Boiled (1990) e Big Guy and Rusty the Boy Robot (1996), ambos com arte de Geof Darrow; e Sin City: A Dame to Kill For(1993-1994) e Sin City: The Big Fat Kill (1994-1995), dando sequência com suas experimentações em branco e preto de forma visualmente estimulante, às aventuras do detective Marv nas ruas de Basin City. Com essa obra, o seu trabalho adquire características mais pessoais. Felizmente, Frank Miller abandonou a ideia de não permitir a transposição dos seus trabalhos em BD para o cinema. Em 2005, Sin City: A Cidade do Pecado teve direito a numa magistral produção cinematográfica dirigida por Robert Rodriguez.
Além dos títulos já mencionados, os últimos vinte anos foram marcados por uma intensa atividade no mundo da BD por parte de Frank Miller. Realizados muitas vezes em parceria com grandes nomes da indústria, os seus trabalhos são em geral recebidos com grande receptividade por parte de leitores de todas as idades, desde os títulos em que revisita personagens consagrados do mundo dos super-heróis, realizando produções com características pessoais que evidenciam um autor de forte personalidade. Entre os seus trabalhos, podem ser citados:
Daredevil: Love and War (1986): em parceria com Bill Sienkiewicz, retoma o embate do protagonista com o seu principal oponente, Kingspin;
Elektra: Assassin (1986-1987): também em parceria com Sienkiewicz, apresenta uma incursão no passado da personagem por ele criada para as histórias do Demolidor;
Batman: Year One (1987): a versão de Miller para o passado de Batman, criada em parceria com David Mazzucchelli (Batman Ano Um);
Elektra Lives Again (1990): com cores de Lynn Varley, apresenta a história da ressurreição da heroína e de sua busca pelo Demolidor (Elektra Vive);
Daredevil: Man without Fear (1993): trabalhando com John Romita Jr., reconta a história da origem do Demolidor de forma semelhante à que fizera em Batman: Year One, mas sem obter o mesmo sucesso (Demolidor: O Homem Sem Medo);
300 (1998): mostra a versão de Miller, com cores de Lynn Varley, de um episódio das Guerras Persas, em que os antigos gregos e os persas lutaram no século V a.C. Conhecido como Batalha das Termópilas, esse episódio relata a resistência do Rei Leónidas e o seu exército de 300 espartanos e 1000 gregos livres de outras regiões contra o exército do Rei Xerxes, da Pérsia, estimado entre 60 e 70 mil homens;
Batman: The Dark Knight Strikes Again (2001-2002): sequela de Batman: The Dark Knight Returns, desta vez realizada apenas com a ajuda de Lynn Varley na colorização; representou a capitulação de Miller ao fascínio do lucro fácil proporcionado pela proximidade às grandes corporações dos comics, sendo uma obra controversa e bastante criticada pelos leitores, que a consideram uma traição ao que o autor tinha feito nas incursões anteriores com o Cavaleiro das Trevas.
Daredevil: Love and War (1986): em parceria com Bill Sienkiewicz, retoma o embate do protagonista com o seu principal oponente, Kingspin;
Elektra: Assassin (1986-1987): também em parceria com Sienkiewicz, apresenta uma incursão no passado da personagem por ele criada para as histórias do Demolidor;
Batman: Year One (1987): a versão de Miller para o passado de Batman, criada em parceria com David Mazzucchelli (Batman Ano Um);
Elektra Lives Again (1990): com cores de Lynn Varley, apresenta a história da ressurreição da heroína e de sua busca pelo Demolidor (Elektra Vive);
Daredevil: Man without Fear (1993): trabalhando com John Romita Jr., reconta a história da origem do Demolidor de forma semelhante à que fizera em Batman: Year One, mas sem obter o mesmo sucesso (Demolidor: O Homem Sem Medo);
300 (1998): mostra a versão de Miller, com cores de Lynn Varley, de um episódio das Guerras Persas, em que os antigos gregos e os persas lutaram no século V a.C. Conhecido como Batalha das Termópilas, esse episódio relata a resistência do Rei Leónidas e o seu exército de 300 espartanos e 1000 gregos livres de outras regiões contra o exército do Rei Xerxes, da Pérsia, estimado entre 60 e 70 mil homens;
Batman: The Dark Knight Strikes Again (2001-2002): sequela de Batman: The Dark Knight Returns, desta vez realizada apenas com a ajuda de Lynn Varley na colorização; representou a capitulação de Miller ao fascínio do lucro fácil proporcionado pela proximidade às grandes corporações dos comics, sendo uma obra controversa e bastante criticada pelos leitores, que a consideram uma traição ao que o autor tinha feito nas incursões anteriores com o Cavaleiro das Trevas.
Com uma carreira de sucessos e ainda aparentemente longe do ocaso, Frank Miller representa hoje um dos artistas mais conceituados dos comics norte-americanas. Dono de uma obra vigorosa, ajudou decisivamente a colocar a linguagem gráfica e sequencial num novo patamar artístico, aproximando-a do gosto de leitores mais velhos e com maior nível de exigência. O seu trabalho tem características sólidas e certamente continuará a servir como modelo para jovens artistas e a atrair o mesmo nível de receptividade de público e de crítica que teve até agora.
Leituras recomendadas:
THE COMPLETE works of Frank Miller. Disponível em http://moebiusgraphics.com/ Acessado em 27 mar. 2007.
DUIN, Steve; RICHARDSON, Mike. Comics: between the panels. Milwaukie, OR: Dark Horse Comics, 1998. p. 318-320.
SALISBURY, Mark. Artist on comic art. London: Titan Books, 2000. p. 162-183.
Leituras recomendadas:
THE COMPLETE works of Frank Miller. Disponível em http://moebiusgraphics.com/ Acessado em 27 mar. 2007.
DUIN, Steve; RICHARDSON, Mike. Comics: between the panels. Milwaukie, OR: Dark Horse Comics, 1998. p. 318-320.
SALISBURY, Mark. Artist on comic art. London: Titan Books, 2000. p. 162-183.