RESENHA BD
Marcha para a morte!
Shigeru Mizuki
20-02-2019
Com a edição de Marcha para a morte!, a Devir sublinha a sua aposta em trazer aos leitores portugueses obras marcantes do mangá. Repete o autor, trazendo-nos uma obra que mantendo em comum o toque biográfico pessoal, está no lado oposto de Nonnonba, o primeiro livro de Mizuki trazido pela coleção Tsuru.
Marcha para a morte! não é uma leitura fácil de engolir. E não seria suposto sê-lo. Mizuki põe a nu o absurdo do militarismo, apontando o dedo de sobrevivente a um período negro da história do Japão moderno. A sua narrativa não dá tréguas, e a estupidez humana aviltada na guerra é evidenciada de forma impiedosa. Todos os personagens estão condenados à partida, pela sua própria condição de humanos apanhados numa engrenagem ideológica cega.
Com a edição de Marcha para a morte!, a Devir sublinha a sua aposta em trazer aos leitores portugueses obras marcantes do mangá. Repete o autor, trazendo-nos uma obra que mantendo em comum o toque biográfico pessoal, está no lado oposto de Nonnonba, o primeiro livro de Mizuki trazido pela coleção Tsuru.
Marcha para a morte! não é uma leitura fácil de engolir. E não seria suposto sê-lo. Mizuki põe a nu o absurdo do militarismo, apontando o dedo de sobrevivente a um período negro da história do Japão moderno. A sua narrativa não dá tréguas, e a estupidez humana aviltada na guerra é evidenciada de forma impiedosa. Todos os personagens estão condenados à partida, pela sua própria condição de humanos apanhados numa engrenagem ideológica cega.
Não há finais felizes nesta história, e é muito significativo que na medida em que a tragédia se avoluma, Mizuki vai mudando o seu registo de um traço de mangá a puxar para a caricatura até um realismo muito doloroso e visceral. É assim que o livro termina, com personagens que durante as páginas nos foram apresentados com um estilismo de cartoon representados na sua morte, crua, como pedaços de carne humana despedaçada num hiperrealista traço a preto e branco. Esta obra coloca muito em perspetiva, desde a história japonesa à glorificação da guerra na cultura popular, mitificada nas aventuras de personagens imortais que sobrevivem incólumes aos piores combates.
A cegueira ideológica que conduziu o Japão à derrota na II Guerra (ou, em bom rigor, que o conduziu à co-beligerância como país do Eixo, dando continuidade à sangrenta guerra de conquista da China) é aqui abordada através das desventuras de um regimento, encarregue de defender um posto avançado nas ilhas Salomão. O lado paradisíaco da ilha do Pacífico Sul é contrabalançado pelo tornar-se um campo de morte em batalhas desiguais.
A guerra, dizem, que felizmente nunca andei por lá, são longos tempos de tédio e breves momentos de violência extrema. É no tempo sem ação que a desumanização retratada por Mizuki se faz sentir, com o tratamento animalesco dado aos soldados pelos seus oficiais, tão lestos a invocar as virtudes dos guerreiros como a esbofeteá-los por dá cá aquela palha. A vida quotidiana de um soldado é dura, passada em tarefas absurdas e missões que mal disfarçam o facto de estarem isolados numa base avançada indefensável.
Quando os ataques começam, depressa se vêm à beira da derrota, e o seu comandante, jovem idealista formado no militarismo mais duro, dá-lhes como ordem final o ataque suicida. Uma ordem absurda, vinda de um militar que acredita piamente no código de honra de um exército que recusa a rendição. E inútil, o sacrifício daqueles homens não vai mudar o destino de uma guerra que já se sabe perdida. Psra piorar, alguns sobrevivem, algo impensável perante o estado maior. Dada a ordem de suicídio, a sobrevivência é considerada uma desobediência punível com a morte. Os sobreviventes terão de repetir a carga perante um inimigo superior, morrendo até ao último homem numa operação que não cumpre qualquer objetivo militar, nem fará qualquer diferença no decurso da guerra. Os conceitos de heroísmo e patriotismo são distorcidos, apropriados por uma ideologia militarista que dominou toda uma nação, infetando-a até ao seu cerne. Um mal que deixou marcas, a mais visível das quais são as ruínas da primeira detonação atómica em Hiroxima.
Mizuki conta a história com o olhar de quem a viveu. Felizmente, no seu caso, foi uma história de sobrevivência à guerra nos confins das ilhas Salomão. Perdeu um braço, e ganhou memórias traumáticas que exorcizou em livros como este. Marcha para a Morte é um dedo apontado à estupidez humana, enquistada na política e ideários sociais.
Artur Coelho
A cegueira ideológica que conduziu o Japão à derrota na II Guerra (ou, em bom rigor, que o conduziu à co-beligerância como país do Eixo, dando continuidade à sangrenta guerra de conquista da China) é aqui abordada através das desventuras de um regimento, encarregue de defender um posto avançado nas ilhas Salomão. O lado paradisíaco da ilha do Pacífico Sul é contrabalançado pelo tornar-se um campo de morte em batalhas desiguais.
A guerra, dizem, que felizmente nunca andei por lá, são longos tempos de tédio e breves momentos de violência extrema. É no tempo sem ação que a desumanização retratada por Mizuki se faz sentir, com o tratamento animalesco dado aos soldados pelos seus oficiais, tão lestos a invocar as virtudes dos guerreiros como a esbofeteá-los por dá cá aquela palha. A vida quotidiana de um soldado é dura, passada em tarefas absurdas e missões que mal disfarçam o facto de estarem isolados numa base avançada indefensável.
Quando os ataques começam, depressa se vêm à beira da derrota, e o seu comandante, jovem idealista formado no militarismo mais duro, dá-lhes como ordem final o ataque suicida. Uma ordem absurda, vinda de um militar que acredita piamente no código de honra de um exército que recusa a rendição. E inútil, o sacrifício daqueles homens não vai mudar o destino de uma guerra que já se sabe perdida. Psra piorar, alguns sobrevivem, algo impensável perante o estado maior. Dada a ordem de suicídio, a sobrevivência é considerada uma desobediência punível com a morte. Os sobreviventes terão de repetir a carga perante um inimigo superior, morrendo até ao último homem numa operação que não cumpre qualquer objetivo militar, nem fará qualquer diferença no decurso da guerra. Os conceitos de heroísmo e patriotismo são distorcidos, apropriados por uma ideologia militarista que dominou toda uma nação, infetando-a até ao seu cerne. Um mal que deixou marcas, a mais visível das quais são as ruínas da primeira detonação atómica em Hiroxima.
Mizuki conta a história com o olhar de quem a viveu. Felizmente, no seu caso, foi uma história de sobrevivência à guerra nos confins das ilhas Salomão. Perdeu um braço, e ganhou memórias traumáticas que exorcizou em livros como este. Marcha para a Morte é um dedo apontado à estupidez humana, enquistada na política e ideários sociais.
Artur Coelho
Marcha Para A Morte!
Autor: Shigeru Mizuki
Editora: Devir
Ano de edição: 2018
Páginas: 368, capa mole
Preço: 24,99€