RESENHA BD
Mar de Aral, José Carlos Fernandes e Roberto Gomes
17-06-2019
Não tenham pressa em ler este livro. Desacelerem. Acalmem o vosso ritmo de leitura. Saboreiem tranquilamente os desenhos de cada vinheta, as palavras de cada diálogo, a sensibilidade onírica de cada história.
Já há demasiado tempo que não tínhamos o privilégio de ler trabalhos inéditos de José Carlos Fernandes. Este autor afastou-se, por razões que ele, e os fãs mais conhecedores dos meandros da comunidade bedéfila portuguesa, lá saberão. Honestamente, são questões que qualifico como don't know, don't care, mas lamentava a perda causada pelo afastamento de um autor cujo estilo me cativou desde a primeira leitura.
Recordo a primeira vez em que, incauto, peguei num livro chamado A Pior Banda do Mundo. O estilo visual era interessante, embora não muito atraente ao primeiro olhar. Fui lendo, e rendi-me. Tornou-se impossível resistir àquela estética de jazz misturado com o surrealismo delicado de Borges ou Calvino. As influências que José Carlos Fernandes veste muito bem traduzem-se em histórias de uma certa irrealidade banal, feitas de pequenos detalhes vistos sob uma luz de diferentes comprimentos de onda. Este autor tem um estilismo muito próprio, que como todos os estilos marcantes corre um certo risco de se tornar repetitivo. No entanto, nem por isso se tornou menos delicioso ao longo da sua obra publicada.
Não tenham pressa em ler este livro. Desacelerem. Acalmem o vosso ritmo de leitura. Saboreiem tranquilamente os desenhos de cada vinheta, as palavras de cada diálogo, a sensibilidade onírica de cada história.
Já há demasiado tempo que não tínhamos o privilégio de ler trabalhos inéditos de José Carlos Fernandes. Este autor afastou-se, por razões que ele, e os fãs mais conhecedores dos meandros da comunidade bedéfila portuguesa, lá saberão. Honestamente, são questões que qualifico como don't know, don't care, mas lamentava a perda causada pelo afastamento de um autor cujo estilo me cativou desde a primeira leitura.
Recordo a primeira vez em que, incauto, peguei num livro chamado A Pior Banda do Mundo. O estilo visual era interessante, embora não muito atraente ao primeiro olhar. Fui lendo, e rendi-me. Tornou-se impossível resistir àquela estética de jazz misturado com o surrealismo delicado de Borges ou Calvino. As influências que José Carlos Fernandes veste muito bem traduzem-se em histórias de uma certa irrealidade banal, feitas de pequenos detalhes vistos sob uma luz de diferentes comprimentos de onda. Este autor tem um estilismo muito próprio, que como todos os estilos marcantes corre um certo risco de se tornar repetitivo. No entanto, nem por isso se tornou menos delicioso ao longo da sua obra publicada.
Mar de Aral marca o inesperado regresso deste autor, que considero como um dos grandes nomes da BD portuguesa contemporânea. Um regresso feito apenas como argumentista, deixado a cargo de outros a ilustração das suas histórias. Esta combinação funciona bem. O desenhador Roberto Gomes consegue um equilíbrio estilístico entre o seu traço pessoal e uma iconografia reminiscente do trabalho gráfico de José Carlos Fernandes. Algo que é especialmente notório na paleta de cores, a privilegiar os suaves ocres amarelados que são características. Mas também no traço, em muitos momentos bastante similar ao de JCF. No entanto, não assumam que o cunho pessoal do ilustrador se dissolve na influência estética do agora argumentista. Pelo contrário, complementam-se muito bem.
O que podemos esperar neste Mar de Aral? Nada que surpreenda os fãs de José Carlos Fernandes. Pequenos contos, no tipo de pequenas histórias onde pormenores delicados são ampliados com uma lupa distorcida, onde o onírico se torna o normal. Na que abre o livro e lhe dá o título, ficamos a conhecer os peixes que evoluíram para mimetizar os humanos, sobrevivendo ao esvaziar daquele que outrora foi um grande mar. É impressão minha, ou há nesta história um forte toque lovecraftiano? Não consigo deixar de ver toques de Innsmouth neste Mar de Aral.
Noutras histórias, assistimos ao provável castigo de um homem condenado a aturar uma criatura inaudita no telhado de sua casa. Percebemos porque é que os defuntos não gostam de ser sepultados com roupas fora de moda, e o que fazem em protesto contra isso. Acompanhamos a melancolia de uma jovem que envelhece à espera de um convite para a inauguração do Canal do Panamá. E, para terminar, descobrimos a profissão extinta de treinador de salmões, sem emprego na era das quintas de piscicultura.
Perdoem-em eventuais spoilers, mas francamente, se lêem José Carlos Fernandes só para saber como terminam as histórias, não o estão a ler como deve ser. Este é claramente daqueles autores em que é a viagem, o olhar a seguir as vinhetas, o cérebro a descodifcar imagens e palavras, o que fascina. Os seus livtos são pura poesia visual. Custa a folhear a última página, porque sabemos que a leitura irá terminar.
É bom saborear este regresso de José Carlos Fernandes. Está de volta o seu suave onirismo, o fascínio retro com geografias distantes cujos nomes evocam exotismo. Este é um livro para ler bem devagar, saciando a sede causada pelo longo hiato de trabalhos deste autor.
Artur Coelho
O que podemos esperar neste Mar de Aral? Nada que surpreenda os fãs de José Carlos Fernandes. Pequenos contos, no tipo de pequenas histórias onde pormenores delicados são ampliados com uma lupa distorcida, onde o onírico se torna o normal. Na que abre o livro e lhe dá o título, ficamos a conhecer os peixes que evoluíram para mimetizar os humanos, sobrevivendo ao esvaziar daquele que outrora foi um grande mar. É impressão minha, ou há nesta história um forte toque lovecraftiano? Não consigo deixar de ver toques de Innsmouth neste Mar de Aral.
Noutras histórias, assistimos ao provável castigo de um homem condenado a aturar uma criatura inaudita no telhado de sua casa. Percebemos porque é que os defuntos não gostam de ser sepultados com roupas fora de moda, e o que fazem em protesto contra isso. Acompanhamos a melancolia de uma jovem que envelhece à espera de um convite para a inauguração do Canal do Panamá. E, para terminar, descobrimos a profissão extinta de treinador de salmões, sem emprego na era das quintas de piscicultura.
Perdoem-em eventuais spoilers, mas francamente, se lêem José Carlos Fernandes só para saber como terminam as histórias, não o estão a ler como deve ser. Este é claramente daqueles autores em que é a viagem, o olhar a seguir as vinhetas, o cérebro a descodifcar imagens e palavras, o que fascina. Os seus livtos são pura poesia visual. Custa a folhear a última página, porque sabemos que a leitura irá terminar.
É bom saborear este regresso de José Carlos Fernandes. Está de volta o seu suave onirismo, o fascínio retro com geografias distantes cujos nomes evocam exotismo. Este é um livro para ler bem devagar, saciando a sede causada pelo longo hiato de trabalhos deste autor.
Artur Coelho
Mar de Aral
Autor: José Carlos Fernandes, Roberto Gomes
Editora: G.Floy Studio/Comic Heart
Ano de edição: 2019
Páginas: 74 páginas, capa dura
Preço: 14€