ENTREVISTA EXCLUSIVA COM MANUEL MORGADO
2021-03-29
Manuel Morgado, ilustrador, fotógrafo e banda desenhista português, nasceu em 1979. Desde criança que se interessou pelo desenho e pela BD franco-belga. Mais tarde estudou design de comunicação na Arca-Euac, em Coimbra. Desde 2005 que trabalha na área da ilustração para jornais, revistas, editoras e agências de publicidade. Em 2006, é publicado pela Devir, o livro de BD “Talismã”, com argumento de Filipe Faria e arte de Manuel Morgado.
Em 2013, participa no álbum de BD “La Centurie Des Convertis” como colorista. Em 2014, conhece o argumentista François Froideval no festival de Angoulême, o que resultou na colaboração com o autor em "Greldinard: Arcanes de la Lune Noire", o quarto álbum da série, publicado, em 2017, e um outro álbum já completo também para a série – “Arcanes de la Lune Noire” –, pela editora francesa Dargaud. Em 2018 é publicado o álbum “Dragomante: Fogo de Dragão”. O segundo volume desta série está em desenvolvimento.
+info:
www.instagram.com/manuelmorgado
www.manuelmorgado.com
www.dargaud.com/auteurs/morgado-manuel
Manuel Morgado, ilustrador, fotógrafo e banda desenhista português, nasceu em 1979. Desde criança que se interessou pelo desenho e pela BD franco-belga. Mais tarde estudou design de comunicação na Arca-Euac, em Coimbra. Desde 2005 que trabalha na área da ilustração para jornais, revistas, editoras e agências de publicidade. Em 2006, é publicado pela Devir, o livro de BD “Talismã”, com argumento de Filipe Faria e arte de Manuel Morgado.
Em 2013, participa no álbum de BD “La Centurie Des Convertis” como colorista. Em 2014, conhece o argumentista François Froideval no festival de Angoulême, o que resultou na colaboração com o autor em "Greldinard: Arcanes de la Lune Noire", o quarto álbum da série, publicado, em 2017, e um outro álbum já completo também para a série – “Arcanes de la Lune Noire” –, pela editora francesa Dargaud. Em 2018 é publicado o álbum “Dragomante: Fogo de Dragão”. O segundo volume desta série está em desenvolvimento.
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Entrevista
Desde criança que nutriste um gosto especial pela BD franco-belga. Como surge esse gosto? Recordas-te do primeiro livro que leste?
Não me lembro do primeiro livro, mas tinha sim uma grande coleção de livros Disney, desde Almanaques a Disney Especial, Hiper Disney, etc. Tinha realmente uma vasta coleção e ainda os tenho guardados algures. De criança trago também o gosto pelos Asterix. Guardo com orgulho todos os álbuns dessa série. Muita da vasta BD franco Belga começo a descobrir mais tarde.
Estudaste design de comunicação mas o teu interesse estava na ilustração e no desenho. Como conseguiste contornar os exercícios académicos e explorar o que mais te interessava?
O design de comunicação, na faculdade que frequentei, tinha uma vertente bastante vincada de ilustração, bem como outras artes, como escultura, cerâmica, pintura, fotografia, etc. A escola fazia com que os alunos explorassem, pelo menos no primeiro ano, independentemente do curso, todas essas disciplinas e, ao longo dos anos, estavam sempre presentes essas componentes artísticas. Por isso era relativamente fácil um aluno conseguir mostrar interesse por diversas áreas, porque, por exemplo, o atelier de pintura estava ali sempre à mão e era muito bom explorar o que se ia fazendo por lá.
Quando é que descobres que a BD seria o medium adequado para as estórias que queres contar? Como foi o processo de criação do primeiro álbum de BD “Talismã” e a participação no álbum “La Centurie Des Convertis”?
Como disse anteriormente, sempre gostei de BD e de desenhar por isso o processo foi seguindo naturalmente. O “Talismã” considero como uma etapa de aprendizagem que foi feito mais ou menos como o “Dragomante”. Concebi uma história inicialmente e no fim faltava uma conclusão e foi aí que a editora me pôs em contato com o Filipe Faria que reformulou completamente o resultado final, O Filipe trabalhou em cima de, digamos, 70% do álbum feito. O “Centurie” foi um trabalho de cor, nada mais que isso.
Participaste várias vezes na revista de BD Zona, da Associação Tentáculo. Uma das vezes com uma curta de BD. Como foi essa experiência? A produção de uma curta de BD foi pertinente para o desenvolvimento da tua técnica de storytelling visual?
Eu não tenho muita experiência em curtas. Durante muitos anos dediquei-me à ilustração para a imprensa, publicidade e design gráfico e não fazia muita BD. Por exemplo, do álbum “Talismã” até ao álbum “Greldinard” passaram mais de 10 anos sem fazer BD. Em relação a curtas, penso que fiz essa curta de BD para a revista Zona e uma outra para um concurso do Amadora BD.
Em 2014 conheces o argumentista François Froideval em Angoulême, encontro que resultou na tua colaboração em "Greldinard: Arcanes de la Lune Noire". Como foi essa experiência? Quais foram as principais dificuldades que sentiste e quais foram as principais lições que retiraste dessa colaboração?
Em 2014 conheci o Editor da Dargaud, que tratava precisamente da coleção “Chroniques de la Lune Noire”. Mostrei o meu portefólio que tinha na altura e, no local, perguntou se estaria interessado para começar no imediato um álbum para as “Arcanes de la Lune Noire”. Dias depois de regressar a Portugal começámos a trocar emails mais específicos, fiz uma página teste para ser aprovada pelo argumentista, foi aprovada e ai comecei a contactar com François Froideval pessoalmente (por telefone e presencialmente). Fiz, durante o tempo que colaborei com o François, duas viagens a França e o François veio a Portugal durante uma semana para trabalhar nos álbuns. O François tem um método de trabalho muito peculiar, não existe argumento escrito e grande parte do trabalho criativo tem de ser presencial. O argumentista diz o que pretende e, a partir daí, o desenhador tem de tomar notas e de se adaptar ao que ele diz, conseguir fazer o storytelling e a composição da página sempre baseado no que o argumentista imagina na altura (havia o inconveniente da barreira linguística). Para uma pessoa que nunca fez BD a este nível, começar a trabalhar desta maneira é um pouco assustador e é, sem dúvida, uma aprendizagem em grande, nada fácil.
O álbum “Dragomante: Fogo de Dragão” teve um processo criativo pouco usual (similar ao primeiro álbum): desenhaste várias páginas do livro e só depois entrou o escritor Filipe Faria para arrumar a linha narrativa. Conheces mais algum caso similar?
Não conheço, mas eu confesso que não sou um grande conhecedor de banda desenhada. O “Dragomante” foi concebido, inicialmente, para obter experiência de forma a conseguir acabar o álbum “Greldinard” com a melhor qualidade possível. Fiz os dois álbuns ao mesmo tempo. Começou por ser uma espécie de treino que acabou por ser uma coisa bem mais séria a partir do momento em que convidei o Filipe a concretizar uma história para as páginas que estavam feitas. Quando comecei a fazer o “Dragomante” tinha uma história definida e fui fazendo as pranchas seguindo essa história, mas o resultado final foi completamente alterado, e era esse o objectivo. Dei liberdade total ao Filipe para ‘brincar’ com as personagens e respectiva trama. O Filipe alcançou algo completamente diferente e muito bem conseguido, penso eu.
O álbum “Dragomante: Fogo de Dragão” foi publicado com uma excelente qualidade em Portugal. Como foi ter o livro impresso na mão? Tiveste acesso à edição estrangeira? Como tem sido o feedback em Portugal e no estrangeiro?
Foi muito bom, como autor e penso que todos em geral, ficamos sempre com aquele nervoso miudinho de “e se algo sai mal? E se as cores ficam escuras? E se tem algum erro anatómico?, etc.”, mas não, o livro tem de facto uma qualidade espetacular de impressão. O feedback tem sido muito bom.
O segundo volume de “Dragomante” sai este ano. Foi lançado o teaser trailer nas redes sociais recentemente. Já há uma data específica para o lançamento do livro? Tu e o Filipe já sabem quantos álbuns irão desenvolver para a estória que querem contar?
O segundo volume não sai este ano. O teaser trailer é para marcar o lançamento da concepção em si deste segundo álbum. Está prevista uma trilogia, mas é sempre muito difícil especificar datas em Portugal para realizar álbuns de BD desta envergadura.
Eu não tenho muita experiência em curtas. Durante muitos anos dediquei-me à ilustração para a imprensa, publicidade e design gráfico e não fazia muita BD. Por exemplo, do álbum “Talismã” até ao álbum “Greldinard” passaram mais de 10 anos sem fazer BD. Em relação a curtas, penso que fiz essa curta de BD para a revista Zona e uma outra para um concurso do Amadora BD.
Em 2014 conheces o argumentista François Froideval em Angoulême, encontro que resultou na tua colaboração em "Greldinard: Arcanes de la Lune Noire". Como foi essa experiência? Quais foram as principais dificuldades que sentiste e quais foram as principais lições que retiraste dessa colaboração?
Em 2014 conheci o Editor da Dargaud, que tratava precisamente da coleção “Chroniques de la Lune Noire”. Mostrei o meu portefólio que tinha na altura e, no local, perguntou se estaria interessado para começar no imediato um álbum para as “Arcanes de la Lune Noire”. Dias depois de regressar a Portugal começámos a trocar emails mais específicos, fiz uma página teste para ser aprovada pelo argumentista, foi aprovada e ai comecei a contactar com François Froideval pessoalmente (por telefone e presencialmente). Fiz, durante o tempo que colaborei com o François, duas viagens a França e o François veio a Portugal durante uma semana para trabalhar nos álbuns. O François tem um método de trabalho muito peculiar, não existe argumento escrito e grande parte do trabalho criativo tem de ser presencial. O argumentista diz o que pretende e, a partir daí, o desenhador tem de tomar notas e de se adaptar ao que ele diz, conseguir fazer o storytelling e a composição da página sempre baseado no que o argumentista imagina na altura (havia o inconveniente da barreira linguística). Para uma pessoa que nunca fez BD a este nível, começar a trabalhar desta maneira é um pouco assustador e é, sem dúvida, uma aprendizagem em grande, nada fácil.
O álbum “Dragomante: Fogo de Dragão” teve um processo criativo pouco usual (similar ao primeiro álbum): desenhaste várias páginas do livro e só depois entrou o escritor Filipe Faria para arrumar a linha narrativa. Conheces mais algum caso similar?
Não conheço, mas eu confesso que não sou um grande conhecedor de banda desenhada. O “Dragomante” foi concebido, inicialmente, para obter experiência de forma a conseguir acabar o álbum “Greldinard” com a melhor qualidade possível. Fiz os dois álbuns ao mesmo tempo. Começou por ser uma espécie de treino que acabou por ser uma coisa bem mais séria a partir do momento em que convidei o Filipe a concretizar uma história para as páginas que estavam feitas. Quando comecei a fazer o “Dragomante” tinha uma história definida e fui fazendo as pranchas seguindo essa história, mas o resultado final foi completamente alterado, e era esse o objectivo. Dei liberdade total ao Filipe para ‘brincar’ com as personagens e respectiva trama. O Filipe alcançou algo completamente diferente e muito bem conseguido, penso eu.
O álbum “Dragomante: Fogo de Dragão” foi publicado com uma excelente qualidade em Portugal. Como foi ter o livro impresso na mão? Tiveste acesso à edição estrangeira? Como tem sido o feedback em Portugal e no estrangeiro?
Foi muito bom, como autor e penso que todos em geral, ficamos sempre com aquele nervoso miudinho de “e se algo sai mal? E se as cores ficam escuras? E se tem algum erro anatómico?, etc.”, mas não, o livro tem de facto uma qualidade espetacular de impressão. O feedback tem sido muito bom.
O segundo volume de “Dragomante” sai este ano. Foi lançado o teaser trailer nas redes sociais recentemente. Já há uma data específica para o lançamento do livro? Tu e o Filipe já sabem quantos álbuns irão desenvolver para a estória que querem contar?
O segundo volume não sai este ano. O teaser trailer é para marcar o lançamento da concepção em si deste segundo álbum. Está prevista uma trilogia, mas é sempre muito difícil especificar datas em Portugal para realizar álbuns de BD desta envergadura.
O worldbuilding para esta série começou com o teu gosto por desenhar dragões e cavaleiros. Qual foi a importância de Filipe Faria, autor reconhecido no género da fantasia, para o desenvolvimento do storyworld dos dois álbuns de “Dragomante”?
O worldbuilding começou um pouco ao acaso como disse anteriormente. O “Dragomante”, que no início se chamava “Paladino”, surgiu a partir da adaptação de duas personagens que eu tinha criado completamente ao acaso para duas ilustrações: a Nereila e o Ekion (que não tinham esses nomes). Não tinham qualquer relação entre eles mas, num tempo morto na Comic Con Portugal, na mesa do Artist’s Alley, em 2015, se não me engano, comecei a olhar para os dois desenhos e imaginei uma trama com eles, e ai começou a aventura. O worldbulding passa por integrar as personagens em cenários como a Islândia, ou a Escócia, e ir desenvolvendo. O Filipe, por sua vez, adaptou completamente o que estava feito, acrescentou e tirou algumas páginas e finalizou. Já conheço o Filipe há muitos anos e tinha a certeza de que iria conseguir pegar no projeto e dar-lhe uma conclusão.
Como tem sido o vosso processo criativo no desenvolvimento deste mundo ficcional e quais são as vossas principais referências?
Falando por mim, tudo o que esteja relacionado com fantasia eu devoro, mas não só, eu posso muito bem ir buscar influência a um film noir dos anos 40 como a um sci-fi futurista e adaptar toda essa influência. Mas cada vez mais tento concentrar-me na parte técnica do storytelling e na forma como as personagens atuam a solo, entre si, ou com o cenário, ou seja, de encontrar a melhor forma de contar a história com “alma” e mostrar emoções.
A transmediação do mundo ficcional de “Dragomante” está na vossa agenda? Ou seja, a publicação de romances e jogos de tabuleiro ou a adaptação para videojogo ou para o audiovisual faz parte dos vossos objetivos futuros?
Seria verdadeiramente fantástico um filme, ou série, mas é impossível de realizar... Não há planos para algo mais neste momento.
Como fazes a pesquisa para o que precisas de desenhar? Onde buscas inspiração?
Busco inspiração em todo o lado, literalmente, mas, igualmente muito importante, é tentar ir buscar inspiração a algo ou temas que não têm nada a ver com o que fazes no momento, neste caso a BD. Por exemplo, uma caminhada a fotografar a natureza, ou um barracão velho a cair de podre, ou pensar em enquadramentos e temas diferentes para fotografar ajuda muito na criatividade e na busca de ideias. É muito importante construir uma biblioteca visual fora da BD e explorar outras artes que não tenham nada a ver com BD.
Recentemente colocaste no teu mural do Facebook algumas imagens de um álbum de BD que tu e o Filipe Faria estão a desenvolver. O álbum tem o título “Les Vitruviens: Corps & Âme”. Podes levantar um pouco o véu e apresentar aqui uma descrição da narrativa?
É um projeto que já desenvolvemos há muitos anos e já fiz várias versões das páginas. É um projeto muito complexo que, a ser feito, iria requerer muito tempo e esforço. Muito difícil de ser concretizado. É basicamente uma versão estilo James Bond renascentista com autómatos; o Império Otomano e o Leonardo da Vinci todos juntos numa história de banda desenhada.
Relativamente ao teu processo de trabalho: como produzes uma página do principio ao fim (storyboard, layout, desenho, arte final, coloração e balonagem)? Usas apenas ferramentas digitais ou é um processo misto? Preferes desenhar de manhã ou à noite?
Precisamente como descreveste. Mistura as duas técnica, é misto, portanto. O digital só é bom pela conveniência. É uma relação de amor-ódio com o desenho digital, confesso. Sempre que acabo um inking tradicional há sempre umas correções em digital por isso a sua concepção acaba sempre por ser um processo misto. Desenho quando tenho de desenhar, ou quando posso, não tenho preferência.
Produzir um álbum de BD é um processo moroso. Qual é a fase do processo criativo de construir um álbum que te dá mais gosto e porquê?
Todas as fases, têm o seu lado bom e o seu menos bom. Não consigo especificar quais me dão mais gozo.
Como classificas o teu tipo de desenho, o teu traço?
Dei umas voltas para conseguir responder mas, sinceramente, não sei como classificar…
A cor é um elemento muito importante na tua obra. Quais são os teus coloristas de eleição?
Ironicamente, colorir nunca foi das minhas fases favoritas… e encontrar uma fórmula de colorir o meu trabalho de BD não foi fácil e continua a ser um processo muito difícil. Ainda estou a tentar encontrar a melhor maneira e penso que nunca a encontrarei.
Que livros de BD podemos encontrar na tua estante e quais são as tuas bedês portuguesas preferidas? Como vês o claro crescimento qualitativo da BD portuguesa?
Como disse anteriormente, não sou grande conhecedor de BD e confesso que não consumo muita BD. Mas tudo o que seja de autores portugueses tenho curiosidade e tenho bastantes obras na minha estante, muitas à espera de tempo para conseguir ler.
O teu portefólio online está dividido em ilustração e fotografia. Dos muitos e excelentes projetos que ali partilhas quais foram os que te deram mais prazer produzir? Para quando a inserção de uma secção exclusiva para a BD?
O meu site já não é atualizado há muito tempo, anos mesmo, por isso só encontram por lá trabalhos em ilustração digital que, entretanto, já não tenho feito. Estou entretanto a reformular o site; agora sim, mais virado para a BD e este estilo de ilustração, mais virado para o que podemos encontrar no meu portefólio do Instagram (https://www.instagram.com/manuelmorgado).
Para terminar, e como aprecias desenhar dinossauros, para quando um álbum de BD à laia de “Xenozoic”, de Mark Schultz, ou da série de livros ilustrados “Dinotopia”, de James Gurney?
Sou um grande fã do Mark Schultz, estudo a técnica dele há muitos anos. Não gosto especialmente de desenhar dinossauros, mas gosto de ilustração científica e estou de facto a preparar algo relacionado com ilustração científica ou numa técnica mais tradicional em grafite, que adoro. Algo que tenho estado a treinar e a desenvolver para uma futura viragem no meu trabalho, pois há vida além da BD.
Entrevistador: Marco Fraga Silva
Artigo web: Sérgio Santos
Futuramente continuarão a ser publicadas entrevistas referentes a várias personalidades de destaque ligadas ao universo da BD.