RESENHA BD
Legendary Horror Stories
17-09-2019
Entre as muitas coisas boas do Motelx, está o também ser um espaço aberto a outras expressões culturais para lá do cinema. Do programa além filmes podemos sempre esperar workshops, lançamentos literários, painéis temáticos e outras iniciativas. Tornou-se habitual a editora Saída de Emergência lançar uma obra Lovecraftiana. Este ano, a escolha recaiu sobre uma edição soberbamente ilustrada mas no entanto pesada para a carteira de The Call of Cthutlhu. O festival de cinema de terror de Lisboa também tem incentivado a publicação pontual de antologias. Recordo a Motelx Histórias de Terror, que reuniu contos negros de autores portugueses, como um bom exemplo do seu impacto cultural além cinema e lado mediático.
A Legendary Books, loja lisboeta de comics e daquelas outras cenas geek que tanto nos encantam, tem-se distinguido nas últimas edições do Motelx pelo seu pequeno mas bem recheado espaço. Algo ainda mais notável sabendo que nos últimos anos a Comic Con tem invadido o espaço temporal do Motelx, decorrendo em simultâneo. O público alvo do mega evento de Algés não será exatamente o mesmo do festival de cinema (pessoalmente, vejo a aposta da Comic Con menos no Fandom profundo e conhecedor e mais na massificação cultural do multimédia), mas suspeito que haverá reflexos disso nas parcerias e patrocínios do festival. E a Legendary Books não segue o exemplo de outras lojas e editoras, ficando-se pelo S. Jorge em vez de ir tentar despachar stock em Algés. Ganhamos nós, que nos intervalos dos filmes podemos ir lá cair em tentação literária. Nisto, falo por mim que o meu mal são os livros, mas o acervo de geek stuff da loja é sempre bom.
E, este ano, brindaram-nos com esta antologia em formato fanzine. Desconheço se esta edição da Legendary foi inspirada pelo festival, ou partiu de um desafio. Se calhar, se tivesse ido ao lançamento deste fanzine no festival teria resposta a esta questão.
Pontuam quatro duplas de argumentistas e ilustradores que se atiram ao tema do terror. Fazem-no sem poupar o leitor, com um afiado sentido de negritude. O resultado são quatro histórias que surpreendem pelo seu lado implacável, pelo humor corrosivo, ou pelo brilhantismo estético.
Entre as muitas coisas boas do Motelx, está o também ser um espaço aberto a outras expressões culturais para lá do cinema. Do programa além filmes podemos sempre esperar workshops, lançamentos literários, painéis temáticos e outras iniciativas. Tornou-se habitual a editora Saída de Emergência lançar uma obra Lovecraftiana. Este ano, a escolha recaiu sobre uma edição soberbamente ilustrada mas no entanto pesada para a carteira de The Call of Cthutlhu. O festival de cinema de terror de Lisboa também tem incentivado a publicação pontual de antologias. Recordo a Motelx Histórias de Terror, que reuniu contos negros de autores portugueses, como um bom exemplo do seu impacto cultural além cinema e lado mediático.
A Legendary Books, loja lisboeta de comics e daquelas outras cenas geek que tanto nos encantam, tem-se distinguido nas últimas edições do Motelx pelo seu pequeno mas bem recheado espaço. Algo ainda mais notável sabendo que nos últimos anos a Comic Con tem invadido o espaço temporal do Motelx, decorrendo em simultâneo. O público alvo do mega evento de Algés não será exatamente o mesmo do festival de cinema (pessoalmente, vejo a aposta da Comic Con menos no Fandom profundo e conhecedor e mais na massificação cultural do multimédia), mas suspeito que haverá reflexos disso nas parcerias e patrocínios do festival. E a Legendary Books não segue o exemplo de outras lojas e editoras, ficando-se pelo S. Jorge em vez de ir tentar despachar stock em Algés. Ganhamos nós, que nos intervalos dos filmes podemos ir lá cair em tentação literária. Nisto, falo por mim que o meu mal são os livros, mas o acervo de geek stuff da loja é sempre bom.
E, este ano, brindaram-nos com esta antologia em formato fanzine. Desconheço se esta edição da Legendary foi inspirada pelo festival, ou partiu de um desafio. Se calhar, se tivesse ido ao lançamento deste fanzine no festival teria resposta a esta questão.
Pontuam quatro duplas de argumentistas e ilustradores que se atiram ao tema do terror. Fazem-no sem poupar o leitor, com um afiado sentido de negritude. O resultado são quatro histórias que surpreendem pelo seu lado implacável, pelo humor corrosivo, ou pelo brilhantismo estético.
A antologia abre com Chicken Pit de André Oliveira, que nos mete numa sebosa churrasqueira de estrada, frequentada pelos piores clientes. O cozinheiro, ex-presidiário, está no limite da sua curta paciência, e basta uma faísca para começar a dar outro uso ao cutelo, que não decepar os intermináveis frangos que mete na fritadeira. O traço de Pedro Cruz nem sempre acompanha a história, que puxa para uma explosão de violência escatológica.
Segue-se Fails From The Creep, com um tom de humor cáustico. A dupla de autores, de nome improvável a fazer desconfiar pseudónimos, assina uma história que faz vénia a Tales From The Crypt. Revisita monstros clássicos da mitologia, com contrapartidas modernas. Lobisomens alérgicos ao pêlo, vampiros medricas ou succubus puritanas são algumas das criaturas revistas. As sereias terminam num cartoon político daqueles que por menos já houve fatwas e processos em tribunal. Termina com o pior dos monstros, que não digo qual é para não fazer spoilers, mas fiquemo-nos por um: o apresentador, inspirado na iconografia clássica do Cryptkeeper, é um ser estranhamente parecido com Joe Berardo.
Se as duas primeiras histórias são divertidas, a antologia desabrocha nas duas últimas, quer a nível narrativo quer gráfico. Em Nós, com argumento de Nuno Duarte, uma jovem é incapaz de abandonar o refúgio de uma casa em progressiva decrepitude, assombrada por uma sombra que nunca a larga. Esta história que ganha vida com a fabulosa ilustração de Rita Alfaiate, que lhe dá um toque simultaneamente gótico na onda de Gorey e feérico.
A antologia encerra com Epitáfio. A dupla de autores Tiago Cruz e Inês Garcia levou-me de enxurrada com o seu fenomenal SINtra. Aqui o registo é mais poético, mas o que sobressai é o violento trabalho gráfico, pesado e acutilante como o melhor horror consegue ser.
Chamei a Legendary Horror Stories uma antologia, mas a edição está mais na vertente fanzine. Termina com uma sentida homenagem a um nome marcante da banda desenhada portuguesa. Geraldes Lino foi, salvando as devidas distâncias, o nosso Forry J. Ackerman. Não sejam tão lestos a afiar os cutelos para me castigar ao estilo Motelx extra-mal passado, mas não consigo deixar de fazer a comparação pelo trabalho que Lino desenvolveu ao longo de décadas como fã e apoiante ativo de jovens artistas. Uma pedra basilar do género por cá, que nos deixou este ano, partindo para a enorme biblioteca nos céus. Este fanzine antológico homenageia Geraldes Lino publicando o sentido memorial gráfico de Juan Cavia.
Este fanzine foi uma das melhores companhias para esta edição do Motelx. Perfeito para se ir lendo na varanda do S. Jorge, com a bebida espirituosa de eleição bem gelada, para cortar o calor opressivo deste Setembro. A lufada gélida deste fanzine antológico é complementada por um easter egg que não resisto a spoilar (sempre dá mais uma boa razão para tentar praticar as artes de cutelo que aprenderam a ver os filmes do festival). Há um elemento gráfico comum a todas as histórias, que conseguem sempre incluir uma referência visual ao olho ensanguentado que faz a imagem de marca da Legendary.
Artur Coelho
Segue-se Fails From The Creep, com um tom de humor cáustico. A dupla de autores, de nome improvável a fazer desconfiar pseudónimos, assina uma história que faz vénia a Tales From The Crypt. Revisita monstros clássicos da mitologia, com contrapartidas modernas. Lobisomens alérgicos ao pêlo, vampiros medricas ou succubus puritanas são algumas das criaturas revistas. As sereias terminam num cartoon político daqueles que por menos já houve fatwas e processos em tribunal. Termina com o pior dos monstros, que não digo qual é para não fazer spoilers, mas fiquemo-nos por um: o apresentador, inspirado na iconografia clássica do Cryptkeeper, é um ser estranhamente parecido com Joe Berardo.
Se as duas primeiras histórias são divertidas, a antologia desabrocha nas duas últimas, quer a nível narrativo quer gráfico. Em Nós, com argumento de Nuno Duarte, uma jovem é incapaz de abandonar o refúgio de uma casa em progressiva decrepitude, assombrada por uma sombra que nunca a larga. Esta história que ganha vida com a fabulosa ilustração de Rita Alfaiate, que lhe dá um toque simultaneamente gótico na onda de Gorey e feérico.
A antologia encerra com Epitáfio. A dupla de autores Tiago Cruz e Inês Garcia levou-me de enxurrada com o seu fenomenal SINtra. Aqui o registo é mais poético, mas o que sobressai é o violento trabalho gráfico, pesado e acutilante como o melhor horror consegue ser.
Chamei a Legendary Horror Stories uma antologia, mas a edição está mais na vertente fanzine. Termina com uma sentida homenagem a um nome marcante da banda desenhada portuguesa. Geraldes Lino foi, salvando as devidas distâncias, o nosso Forry J. Ackerman. Não sejam tão lestos a afiar os cutelos para me castigar ao estilo Motelx extra-mal passado, mas não consigo deixar de fazer a comparação pelo trabalho que Lino desenvolveu ao longo de décadas como fã e apoiante ativo de jovens artistas. Uma pedra basilar do género por cá, que nos deixou este ano, partindo para a enorme biblioteca nos céus. Este fanzine antológico homenageia Geraldes Lino publicando o sentido memorial gráfico de Juan Cavia.
Este fanzine foi uma das melhores companhias para esta edição do Motelx. Perfeito para se ir lendo na varanda do S. Jorge, com a bebida espirituosa de eleição bem gelada, para cortar o calor opressivo deste Setembro. A lufada gélida deste fanzine antológico é complementada por um easter egg que não resisto a spoilar (sempre dá mais uma boa razão para tentar praticar as artes de cutelo que aprenderam a ver os filmes do festival). Há um elemento gráfico comum a todas as histórias, que conseguem sempre incluir uma referência visual ao olho ensanguentado que faz a imagem de marca da Legendary.
Artur Coelho
Legendary Horror Stories
Autor: André Oliveira, Pedro Cruz, Aragundes Bicho, Anouk Aukine, Nuno Duarte, Rita Alfaiate, Tiago Cruz, Inês Garcia, Jorge Coelho
Editora: Legendary
Ano de edição: 2019
Páginas: 44 páginas, capa mole
Preço: 6,80€