ENTREVISTA EXCLUSIVA COM DANIEL DA SILVA LOPES
05-08-2021
Daniel da Silva Lopes, natural da cidade do Porto, desde cedo desejou criar as suas próprias bandas desenhadas. Em 2018, com o apoio de Francisco Ferreira e André Mateus, inicia o projeto Gorila Sentado, uma editora portuguesa independente, onde tem publicado, com a sua equipa, vários títulos.
+info: www.gorilasentado.com
Daniel da Silva Lopes, natural da cidade do Porto, desde cedo desejou criar as suas próprias bandas desenhadas. Em 2018, com o apoio de Francisco Ferreira e André Mateus, inicia o projeto Gorila Sentado, uma editora portuguesa independente, onde tem publicado, com a sua equipa, vários títulos.
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ENTREVISTA
Desde muito cedo que sabias que querias ser banda desenhista. De onde veio essa motivação? Que vantagens vês neste medium para contares as tuas estórias?
Primeiro que tudo deixa-me agradecer-te por esta entrevista e convite.
Bem, sobre a primeira questão, a minha paixão para fazer banda desenhada existe desde sempre, mas houve duas fases muito importantes. A primeira quando o meu irmão me ofereceu o meu primeiro comic, que abriu todo um mundo novo para mim e, depois, anos mais tarde, quando passava umas férias em Góis com a minha esposa e estávamos a falar sobre dedicação, trabalho e futuro... foi esse momento que de alguma forma mudou a minha maneira de ser e de ver o meu trabalho. Tudo mudou nesse momento para ser sincero.
Sobre o medium em si, creio que se trata do melhor veículo que existe para quem quer contar estórias, criar mundos ou apenas... gritar! Nesta arte não existe restrições ou técnicas que não possamos usar. Não existe sensação melhor do que olhar para uma página em branco e descobrir o que podemos criar nela.
O género especulativo da ficção científica está muito presente nas estórias que gostas de contar. Porquê este género e não outro? Quais são as tuas principais referências?
Sabes... é engraçada esta pergunta porque para ser sincero o meu género preferido é mesmo o western, mas por alguma razão assim que me sento e começo a trabalhar num projeto próprio recaio muito para o da ficção científica. Deve ser por tudo o que ainda não conhecemos do espaço que me faz sonhar no que poderemos vir a descobrir. Talvez seja o meu objetivo secreto chegar a um equilibro perfeito entre western e sci-fi, o que me leva a uma das minhas maiores referências que é a série COWBOY BEBOP, que conseguiu esta mistura na perfeição.
Outras referências, creio que sou bastante influenciado pelo trabalho do Jeff Lemire, Jodorowsky, Moebius e alguns autores de Mangá, sobretudo pela sua dedicação e maneira de trabalhar.
Através da editora Gorila Sentado tens publicado as séries “Solar Sailors”, “Teller”, e “Beep Boop: Monster Hunters”, por isso acumulas as tarefas de editor e autor. É fácil mudar o chip para as diferentes tarefas que tens de desempenhar? O que podemos esperar da Gorila Sentado para os próximos anos?
Não creio que mudo o chip porque acredito que cada autor tem dentro dele um bocadinho de editor e eu amo ambos os mundos. É uma das grandes razões para ter criado a Gorila. Quando estou a trabalhar num projeto, a desenhar alguma página, dou comigo a imaginar como vou fazer o design da capa, onde vou pôr alguma página de publicidade, ou mesmo quem vou contactar para fazer alguma capa alternativa.
A Gorila Sentado encontra-se a passar uma fase de mudança, porque esta pandemia não veio mudar apenas as nossas vidas familiares, profissionais e sociais, como acredito que veio mudar o nosso consumo de cultura e hobbies. Como tal, achei que era altura de fazer algumas mudanças na Gorila e isso vai afetar as futuras publicações e a maneira como as editamos. Tudo irá ficar concluído até ao final do ano, mas até lá teremos novidades sobre SOLAR SAILORS, novos volumes da antologia TALES FROM AFAR e algo especial para o SWEET WIND.
Em relação às séries em que acumulaste a tarefa de ilustrador e guionista: explica-nos o teu processo de worldbuiling e storytelling? Como abordas a construção dos teus mundos ficcionais e como contas as tuas estórias? Entre worldbuilding e storytelling qual é a tarefa que te dá mais satisfação?
O que me dá mais satisfação é mesmo descobrir o que consigo fazer. Muitas vezes só tenho o inicio ou final de algum projeto, ou mesmo apenas o esboço de alguma personagem. Apenas com isso, adoro sentar-me, deixar-me levar e descobrir apenas com aquela referência que habita na minha cabeça. Admito que não sou o gajo mais organizado e muitas vezes deixo-me levar em demasia o que leva a uma série de outros problemas...
Em relação ao teu processo criativo: como é que fazes a transição do guião para a página finalizada? Que tipo de guião escreves? Fazes thumbnails? Trabalhas de forma analógica ou digital? Como inseres os balões e o texto? Como escolhes as paletas de cores adequadas?
Eu pessoalmente trabalho apenas com thumbnails onde vou escrevendo ao lado da página os diálogos e tudo cresce naturalmente a partir dai. Acredita que o texto que aparece nos thumbnails é muito diferente do que o que aparece na página final e ele é muito diferente e melhor quando editado pelo Francisco. Amo esta fluidez nas coisas.
Eu trabalho sobretudo de forma analógica com suporte digital. Ou seja, os balões, cores e texto insiro digitalmente. Tudo o resto trabalho no papel. Mas tenho andado a pensar em começar a experimentar fazer o lettering e balões analogicamente num futuro projeto. Mas acho que isso envolve outras dores de cabeça. Dores para as quais ainda não me sinto preparado.
Sobre as cores, sobretudo tento escolher uma ou duas que acho que combinam com o que tento transmitir com aquela página e começo a trabalhar a partir delas. Adoro cor mas admito que é a parte que menos gosto. Talvez seja por pintar digitalmente. Mais uma vez... tenho de experimentar.
Na narrativa “Teller” trabalhas com o escritor e argumentista André Mateus (com revisão de texto e lettering de Francisco Ferreira). Como decorre, em termos práticos, uma parceria do género para uma pessoa como tu que está habituada a escrever as suas próprias bedês?
Olha... para mim o André Mateus é um dos melhores escritores que temos por cá. Não sei se já leste o livro dele mas aquilo transpira potencial como futuro escritor de topo. Tenho muito orgulho de ter trabalhado com ele e estou mesmo curioso com o futuro dele.
Sobre trabalharmos todos juntos acho que tem tudo a ver com sinergias. Não podemos pensar que a minha forma de trabalhar será igual à do André ou do Francisco e vice-versa. Como tudo, tem que haver margem para se mudar, moldar e acima de tudo confiança no trabalho do outro. Por exemplo, eu e o Francisco, que trabalhamos em tudo que é da Gorila, mudámos muito um com o outro nos últimos anos e demorámos muito a chegar a um ponto que em tudo o que fazemos é natural um para o outro. Sou um grande crente que só temos a crescer e a melhorar a trabalhar com outras pessoas.
Nos últimos anos tens participado em antologias de BD nacionais como a Apocryphus e a H-alt. Que opinião tens da BD nacional e do seu crescimento nos últimos anos? O que achas que temos de mudar para afirmar com mais vigor a BD portuguesa cá dentro e lá fora?
Tem melhorado a olhos vistos. Temos autores a trabalhar na Marvel, DC e até para a Wizards of the Coast como o caso do Potier. Isto não acontece por causa das supostas editoras grandes de cá, que dizem apoiar a BD nacional com os seus contratos meio obscuros, mas sim devido ao trabalho incansável dos autores e das edições independentes. É neste meio independente que encontramos o verdadeiro motor da BD nacional. É só olhar para as edições indie de autores como o Ricardo com o seu Planeta Satélite. Raios, aquilo tem melhor edição, papel e apresentação do que muitas edições mais mainstream que saíram em Bertrands, Fnacs e afins. Tem havido um crescimento de sangue novo com os olhos um pouco mais abertos. Ou seja, autores que olham para o mercado lá de fora e trabalham para conseguir vingar por lá. Esta procura por novos horizontes faz crescer inconscientemente a procura do mercado por cá.
Sim, já todos sabemos que é uma pena vivermos num pais onde o suporte e a procura deste medium é quase nula. Como resolvemos este facto? Acredito que trabalho gera trabalho e, como tal, deveria haver uma união muito maior entre todos os autores nacionais. Poderíamos aprender muito com o que se passa em Espanha, por exemplo.
O webcomic “Sweet Wind” é uma estória um pouco introspetiva cuja narrativa é propulsionada pelo monólogo interno do protagonista. A estória está disponível na plataforma Webtoon. Como está a ser a produção deste webcomic e que vantagens vês na publicação online?
Acredito que a produção de webcomics e a apresentação deles em plataformas como o Webtoon ou o Tapas é um espaço seguro e incrível para começar a criar algo. Gosto de webcomics nestas plataformas porque é um meio mais fluído onde os projetos nascem, crescem naturalmente, não pedem nada de volta ao artista sem ser dedicação e tempo. Publicar por conta própria um projeto não é algo que fique barato e se for a cores ainda mais caro é. Por isso, existir estas casas e uma comunidade à volta delas são só vantagens para os novos autores ou os autores menos conhecidos. Tal como as antologias, que podem ser bons primeiros tijolos. Só tenho boas coisas a dizer do público e da comunidade de ambas estas plataformas. Sem estas plataformas, o TALES FROM AFAR nunca teria nascido por exemplo. Tenho muito que agradecer ao WEBTOON e ao TAPAS.
Sobre um novo webcomic, sim, tenho planos para um projeto completamente diferente de tudo o que já fiz. Ao contrário do SW em que o estou a trabalhar como se fosse uma BD tradicional e depois corto os quadrados para ficar bem nas plataformas, vou trabalhar o novo projeto já virado para tirar vantagens destas plataformas. Mas isso será apenas depois de fechar o SWEET WIND e mais umas coisas até ao final do ano.
Quando pensas concluir o webcomic “Sweet Wind”? Depois da sua conclusão, que outros webcomic tens em mente?
O SWEET WIND nas plataformas do webtoon e no tapas está parado já há uns três ou quatro meses e assim ficará porque o projeto cresceu a um ponto em que estes espaços já não são suficientes para o titulo, nem para a minha visão dele.
O SWEET WIND é concluído este ano e vai contar com mais de 100 páginas. Irei anunciar em breve o que eu vou fazer com ele, mas será algo onde me irei servir do projeto para agradecer às comunidades de ambas as plataformas e uma carta aberta ao que se pode fazer com as edições independentes.
A transmediação – ou a fragmentação narrativa através de vários media – é uma estética de produção recorrente nos dias que correm. Imaginas alguns dos storyworlds que criaste para banda desenhada a serem adaptados para outros meios como RPG, videojogos, jogos tabuleiro, TV, ou cinema?
Posso dizer que o argumento de um dos projetos está a ser trabalhado neste momento para uma proposta de animação em três episódios. Será um tiro no escuro mas vamos ver. Sobre o que gostaria de fazer, adoraria ilustrar para um RPG.
Entrevistador: Marco Fraga Silva
Artigo Web: Sérgio Santos |