RESENHA BD
El Futuro Que No Fue, de Daniel Torres
31-08-2022
Recordo Daniel Torres como um daqueles raros autores pelos quais me apaixonei à primeira vista. Descobri-o nas páginas da revista Selecções de BD (sim, há muito, muito tempo, quase diria noutro século) e recordo a imediata sedução com o seu estilo gráfico, de um futurismo retro fortemente inspirado nas estéticas decorativas dos anos 50 (pensem Tiki, pensem arquitetura Googie) e nas iconografias e estruturas narrativas da ficção científica da golden age. Mergulhei nas aventuras de Roco Vargas, um delírio estético que canalizava na perfeição o sentido de deslumbramento mais inocente da antiga ficção científica. Um voo retro futurista, mas em obra de direito próprio e não como pastiche nostalgista.
Regresso a este autor com o seu mais recente trabalho, El Futuro Que No Fue. O título espelha na perfeição a estética de Daniel Torres: futurismo do passado, que nunca irão acontecer, mas são profundamente sedutores. O livro é uma ode ao retrofuturismo, a todos os níveis. Pela história que nos conta, pela sua iconografia, como se espera deste autor. Mas o próprio livro como objeto espelha esse hino às ideias dos futuros inexistentes. Torres dá-nos uma obra completa. Estrutura a narrativa em pequenos capítulos, que terminam sempre com um "a suivre" (referência à lendária revista de BD francesa). Entre capítulos, temos anúncios publicitários, pequenas vinhetas, comentários e textos editoriais. O livro está concebido como uma coleção de fascículos de tebeo, uma espécie de edição especial de uma revista infanto-juvenil clássica publicada num futuro retro.
Recordo Daniel Torres como um daqueles raros autores pelos quais me apaixonei à primeira vista. Descobri-o nas páginas da revista Selecções de BD (sim, há muito, muito tempo, quase diria noutro século) e recordo a imediata sedução com o seu estilo gráfico, de um futurismo retro fortemente inspirado nas estéticas decorativas dos anos 50 (pensem Tiki, pensem arquitetura Googie) e nas iconografias e estruturas narrativas da ficção científica da golden age. Mergulhei nas aventuras de Roco Vargas, um delírio estético que canalizava na perfeição o sentido de deslumbramento mais inocente da antiga ficção científica. Um voo retro futurista, mas em obra de direito próprio e não como pastiche nostalgista.
Regresso a este autor com o seu mais recente trabalho, El Futuro Que No Fue. O título espelha na perfeição a estética de Daniel Torres: futurismo do passado, que nunca irão acontecer, mas são profundamente sedutores. O livro é uma ode ao retrofuturismo, a todos os níveis. Pela história que nos conta, pela sua iconografia, como se espera deste autor. Mas o próprio livro como objeto espelha esse hino às ideias dos futuros inexistentes. Torres dá-nos uma obra completa. Estrutura a narrativa em pequenos capítulos, que terminam sempre com um "a suivre" (referência à lendária revista de BD francesa). Entre capítulos, temos anúncios publicitários, pequenas vinhetas, comentários e textos editoriais. O livro está concebido como uma coleção de fascículos de tebeo, uma espécie de edição especial de uma revista infanto-juvenil clássica publicada num futuro retro.
A história é um clássico policial procedimental noir, onde um detetive privado, ao ser contratado para auxiliar uma família de classe alta a resolver um problema incómodo, acaba por se ver mergulhado numa conspiração à escala do sistema solar. Estamos em Montebahia, metrópole terrestre que tem no seu cerne uma zona de perigos e liberdades, uma cidade que tanto cruza o plácido suburbanismo como o delírio das zonas de legalidade duvidosa. No cerne da aventura, uma conspiração para o domínio do sistema solar por parte dos habitantes de outro planeta, que acabará debelada pela ação do investigador.
A narrativa é interessante, mas o real personagem é a cidade retro-futurista onde a ação se desenrola, uma paisagem urbana que ecoa os sonhos do passado. Arquiteturas de tirar o fôlego, ruas cheias de criaturas que mesclam o terrestre com o alienígena, carros voadores, anúncios omnipresentes.
O lado estético deste livro é de um profundo barroquismo retro-futurista. Não há vinhetas que não estejam sobrecarregadas de informação, cheias de imensos detalhes, quase claustrofóbicas na sua saturação. O traço de Torres afastou-se da estilização em linha clara que usava, é aqui mais desenvolto e expressivo. A sobrecarga visual é imensa, e isso é mais uma vénia às iconografias retro.
Lê-se este futuro que não aconteceu como uma espécie de corolário de uma carreira, onde um autor usa todos os seus recursos estilísticos, inspirações e domínio técnico, puxando ao máximo pelas suas capacidades. O cuidado em criar uma história que rompe as barreiras da página, em que o objeto-livro em si é reminiscente de outras histórias, mostra bem isso.
Artur Coelho
A narrativa é interessante, mas o real personagem é a cidade retro-futurista onde a ação se desenrola, uma paisagem urbana que ecoa os sonhos do passado. Arquiteturas de tirar o fôlego, ruas cheias de criaturas que mesclam o terrestre com o alienígena, carros voadores, anúncios omnipresentes.
O lado estético deste livro é de um profundo barroquismo retro-futurista. Não há vinhetas que não estejam sobrecarregadas de informação, cheias de imensos detalhes, quase claustrofóbicas na sua saturação. O traço de Torres afastou-se da estilização em linha clara que usava, é aqui mais desenvolto e expressivo. A sobrecarga visual é imensa, e isso é mais uma vénia às iconografias retro.
Lê-se este futuro que não aconteceu como uma espécie de corolário de uma carreira, onde um autor usa todos os seus recursos estilísticos, inspirações e domínio técnico, puxando ao máximo pelas suas capacidades. O cuidado em criar uma história que rompe as barreiras da página, em que o objeto-livro em si é reminiscente de outras histórias, mostra bem isso.
Artur Coelho
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El Futuro Que No Fue
Autor: Daniel Torres
Editora: Norma Editorial
Ano de edição: 2022
Páginas: 72 páginas, capa dura
Preço: 19,95€
El Futuro Que No Fue
Autor: Daniel Torres
Editora: Norma Editorial
Ano de edição: 2022
Páginas: 72 páginas, capa dura
Preço: 19,95€