RESENHA BD
Drácula, adaptado por Georges Bess
08-08-2021
Olhar Drácula como um símbolo de modernidade e progresso não é muito habitual. O romance clássico de Stoker é o ponto mais alto da tradição literária de horror que se iniciou no período romântico com o Vampiro de Polidori e Carmilla de Le Fanu, teve continuidade vitoriana com o pulp (sendo específico, penny dreadful) Varney de Rymer. Mas foi Stoker que captou o coração e imaginário dos leitores. Até aos dias de hoje. Drácula influenciou todo um género na literatura, banda desenhada e cinema.
Algo que se mede entre adaptações que vão do exploitation estilo Hammer ao estilismo de Coppola ou a erudição de Herzog, inúmeras aparições na oitava arte, e toda a evolução literária do conceito do desmorto que se alimenta do sangue das suas vítimas. É aqui que o mito do vampiro tem sido melhor explorado, e as criaturas elegantes de Le Fanu e Polidori, ou a visceralidade de Stoker, têm evoluído à medida que outros autores encontram novas visões, entre o ennui da imortalidade de Anne Rice â violência negra de Brian Lumley, passando pelo horror puro de Stephen King ou a magistral inversão do mito levada a cabo por Matheson em I Am Legend, esse livro tão excelente de ler mas sempre tão mal adaptado ao cinema. O vampiro evoluiu, desde o morto-vivo das lendas aos dias de hoje, embora me seja difícil levar a sério vampiros sensíveis que brilham, face à visceralidade do nosferatu que está na sua génese.
Drácula está firmemente marcado no imaginário da cultura pop como a epítome do estilo gótico, visualmente um barroco tenebroso de fortes contrastes e décor vitoriano. Em parte, porque o livro nos vem da era vitoriana com o seu gosto gótico, mas diria que a culpa da iconografia vem do cinema, que sempre explorou esse lado visualmente luxurioso. Começou logo com o fabuloso Nosferatu de Murnau, esse sublime ato de pirataria fílmica, cimentou-se com a elegância negra de Lugosi, que praticamente criou a imagem que temos do Conde Drácula, e foi exaustivamente explorado pelo cinema de exploitation ao estilo Hammer dos anos 50 e 60.
Olhar Drácula como um símbolo de modernidade e progresso não é muito habitual. O romance clássico de Stoker é o ponto mais alto da tradição literária de horror que se iniciou no período romântico com o Vampiro de Polidori e Carmilla de Le Fanu, teve continuidade vitoriana com o pulp (sendo específico, penny dreadful) Varney de Rymer. Mas foi Stoker que captou o coração e imaginário dos leitores. Até aos dias de hoje. Drácula influenciou todo um género na literatura, banda desenhada e cinema.
Algo que se mede entre adaptações que vão do exploitation estilo Hammer ao estilismo de Coppola ou a erudição de Herzog, inúmeras aparições na oitava arte, e toda a evolução literária do conceito do desmorto que se alimenta do sangue das suas vítimas. É aqui que o mito do vampiro tem sido melhor explorado, e as criaturas elegantes de Le Fanu e Polidori, ou a visceralidade de Stoker, têm evoluído à medida que outros autores encontram novas visões, entre o ennui da imortalidade de Anne Rice â violência negra de Brian Lumley, passando pelo horror puro de Stephen King ou a magistral inversão do mito levada a cabo por Matheson em I Am Legend, esse livro tão excelente de ler mas sempre tão mal adaptado ao cinema. O vampiro evoluiu, desde o morto-vivo das lendas aos dias de hoje, embora me seja difícil levar a sério vampiros sensíveis que brilham, face à visceralidade do nosferatu que está na sua génese.
Drácula está firmemente marcado no imaginário da cultura pop como a epítome do estilo gótico, visualmente um barroco tenebroso de fortes contrastes e décor vitoriano. Em parte, porque o livro nos vem da era vitoriana com o seu gosto gótico, mas diria que a culpa da iconografia vem do cinema, que sempre explorou esse lado visualmente luxurioso. Começou logo com o fabuloso Nosferatu de Murnau, esse sublime ato de pirataria fílmica, cimentou-se com a elegância negra de Lugosi, que praticamente criou a imagem que temos do Conde Drácula, e foi exaustivamente explorado pelo cinema de exploitation ao estilo Hammer dos anos 50 e 60.
E, no entanto, o livro original é fortemente moderno. Tem castelos decaídos e criptas escuras com caixões, mas o motor da história de Stoker é a ciência e tecnologia. Isso nota-se logo na forma como está escrito, Drácula é um romance que diríamos hoje ser multimédia, construído a partir de diferentes pontos de vista e discursos narrativos. A história chega-nos em fragmentos, contada através das notas e registos dos seus personagens, das cartas de Harker, dos diários de Mina ou os registos fonográficos de Seward. Diferentes meios de comunicação, sublinhando a vanguarda tecnológica da época.
Se o vampiro é uma criatura de lenda obscurantista, a sua erradicação depende da ciência e tecnologia. Van Helsing traz o olhar clínico científico ao combate ao monstro. E será a tecnologia de ponta da época vitoriana que permitirá aos inimigos de Drácula derrotá-lo, as armas do texano Quincy, ou a faca kukri de Harker, toda ela um símbolo do imperialismo britânico, o instrumento de guerra trazido pelos nepaleses que se alistaram no exército britânico. Onde sempre vi o papel da tecnologia em maior evidência foi na forma como os personagens se deslocam pela Europa, tirando partido das redes ferroviárias para dar caça ao vampiro no alucinante final do livro. A tensão entre o obscurantismo da lenda e a luz da modernidade científico-tecnológica é um dos grandes sub-textos de um livro que todos conhecem, mas suspeito que a maior parte nunca leu. No entanto, esses aspetos ficaram submersos pelo peso da iconografia gótica que ficou indelevelmente associada ao personagem, e a todo o género.
A adaptação de Georges Bess, que a editora A Seita traz aos leitores portugueses, insere-se, como não poderia deixar de ser, nessa tradição iconográfica. O estilo gráfico do autor francês tem a riqueza visual dos estilos clássicos, e liberta-a em força nesta notável adaptação.
Notável em vários aspetos. O mais visível é o seu caráter luxuriante, cada vinheta, cada prancha são um festim para os olhos. Bess segue um estilo assumidamente gótico e art nouveau, visualmente riquíssimo, algo reminiscente dos goticismos dos ilustradores clássicos dos comics de horror da Warren. Bess liberta o seu talento, experiência e mestria nesta edição imperdível.
O outro ponto muito notável está no ser das adaptações mais fiéis que li, ou vi, ao romance clássico de Stoker. Bess segue à risca o livro, quer no seu caráter de história que se constrói a partir de fragmentos sucessivos quer na fidelidade ao texto original. Drácula é das obras mais adaptadas a outros media, mas é muito raro estas seguirem fielmente a obra. Aliás, quem chegar ao romance de Stoker, ou a esta adaptação de Bess, apenas conhecendo o conde a partir das suas variantes e adaptações, ter uma enorme surpresa.
Visualmente luxuriante, inebriante na sua estética gótica, fiel à obra original, este Drácula de Georges Bess é uma excelente proposta editorial. O preço pode parecer puxadito, mas a edição é cuidada e o conteúdo excecional. Excelente horror clássico em banda desenhada, ao dispor dos leitores portugueses.
Artur Coelho
Se o vampiro é uma criatura de lenda obscurantista, a sua erradicação depende da ciência e tecnologia. Van Helsing traz o olhar clínico científico ao combate ao monstro. E será a tecnologia de ponta da época vitoriana que permitirá aos inimigos de Drácula derrotá-lo, as armas do texano Quincy, ou a faca kukri de Harker, toda ela um símbolo do imperialismo britânico, o instrumento de guerra trazido pelos nepaleses que se alistaram no exército britânico. Onde sempre vi o papel da tecnologia em maior evidência foi na forma como os personagens se deslocam pela Europa, tirando partido das redes ferroviárias para dar caça ao vampiro no alucinante final do livro. A tensão entre o obscurantismo da lenda e a luz da modernidade científico-tecnológica é um dos grandes sub-textos de um livro que todos conhecem, mas suspeito que a maior parte nunca leu. No entanto, esses aspetos ficaram submersos pelo peso da iconografia gótica que ficou indelevelmente associada ao personagem, e a todo o género.
A adaptação de Georges Bess, que a editora A Seita traz aos leitores portugueses, insere-se, como não poderia deixar de ser, nessa tradição iconográfica. O estilo gráfico do autor francês tem a riqueza visual dos estilos clássicos, e liberta-a em força nesta notável adaptação.
Notável em vários aspetos. O mais visível é o seu caráter luxuriante, cada vinheta, cada prancha são um festim para os olhos. Bess segue um estilo assumidamente gótico e art nouveau, visualmente riquíssimo, algo reminiscente dos goticismos dos ilustradores clássicos dos comics de horror da Warren. Bess liberta o seu talento, experiência e mestria nesta edição imperdível.
O outro ponto muito notável está no ser das adaptações mais fiéis que li, ou vi, ao romance clássico de Stoker. Bess segue à risca o livro, quer no seu caráter de história que se constrói a partir de fragmentos sucessivos quer na fidelidade ao texto original. Drácula é das obras mais adaptadas a outros media, mas é muito raro estas seguirem fielmente a obra. Aliás, quem chegar ao romance de Stoker, ou a esta adaptação de Bess, apenas conhecendo o conde a partir das suas variantes e adaptações, ter uma enorme surpresa.
Visualmente luxuriante, inebriante na sua estética gótica, fiel à obra original, este Drácula de Georges Bess é uma excelente proposta editorial. O preço pode parecer puxadito, mas a edição é cuidada e o conteúdo excecional. Excelente horror clássico em banda desenhada, ao dispor dos leitores portugueses.
Artur Coelho
Drácula
Autor: Georges Bess
Editora: A Seita
Ano de edição: 2021
Páginas: 208 páginas, capa dura
Preço: 25€