RESENHA BD
Comissário Ricciardi, de Maurizio de Giovanni
15-11-2021
Nápoles, anos 30. Uma cidade exuberante, de fortes contrastes, entre as calmas ruas burguesas e o bulício dos bairros populares. Uma cidade de morte e assombrações, para um discreto e eficaz comissário de polícia cujos modos tranquilos ocultam um segredo que lhe condiciona a vida. Ricciardi tem um dom, ou talvez uma maldição, consegue ver o espírito daqueles que morrem, por violência ou acidente, a pairar sobre o local onde faleceram, presos às suas últimas palavras.
Comissário Ricciardi é fruto da imaginação de desabrochar tardio do escritor napolitano Maurizio de Giovanni, cuja carreira se lançou quase por acaso, ao ganhar um concurso literário com um conto que viria a ser a primeira história de um personagem que cativou o público, contando até agora com doze romances publicados. Estes contos, adaptados para banda desenhada pela Bonelli, dão-nos um pequeno vislumbre de um personagem intrigante.
As investigações deste comissário são um policial de época, que nos mergulha na vida napolitana dos anos 30. O escritor é um apaixonado pela sua cidade, e isso nota-se no cuidado que tem com a caracterização dos espaços narrativos. Cuidado esse que, sem grande surpresa, dado o elevado profissionalismo do trabalho editorial da Bonelli, se reflete nestas adaptações. A caracterização é cuidada, das gentes e seus carácteres, trajes, arquiteturas e geografias, quer urbanas quer íntimas. Apenas senti que faltava nestas histórias traços periféricos do regime fascista. À época destes contos, Itália já estava sob domínio do regime de Mussolini, e é curioso registar a ausência da iconografia fascista do cuidado com a caracterização visual destes contos. Pergunto-me se será uma omissão intencional. Sendo o policial, e o fumetti, formas de leitura escapista, talvez esta ausência de referências a um período negro da história italiana seja uma forma de não remexer em más memórias. Claro, isto é mera observação, teria de ler mais livros do Comissário Ricciardi para perceber se de Giovanni evita o tema, ou o incorpora nas aventuras do seu personagem.
Nápoles, anos 30. Uma cidade exuberante, de fortes contrastes, entre as calmas ruas burguesas e o bulício dos bairros populares. Uma cidade de morte e assombrações, para um discreto e eficaz comissário de polícia cujos modos tranquilos ocultam um segredo que lhe condiciona a vida. Ricciardi tem um dom, ou talvez uma maldição, consegue ver o espírito daqueles que morrem, por violência ou acidente, a pairar sobre o local onde faleceram, presos às suas últimas palavras.
Comissário Ricciardi é fruto da imaginação de desabrochar tardio do escritor napolitano Maurizio de Giovanni, cuja carreira se lançou quase por acaso, ao ganhar um concurso literário com um conto que viria a ser a primeira história de um personagem que cativou o público, contando até agora com doze romances publicados. Estes contos, adaptados para banda desenhada pela Bonelli, dão-nos um pequeno vislumbre de um personagem intrigante.
As investigações deste comissário são um policial de época, que nos mergulha na vida napolitana dos anos 30. O escritor é um apaixonado pela sua cidade, e isso nota-se no cuidado que tem com a caracterização dos espaços narrativos. Cuidado esse que, sem grande surpresa, dado o elevado profissionalismo do trabalho editorial da Bonelli, se reflete nestas adaptações. A caracterização é cuidada, das gentes e seus carácteres, trajes, arquiteturas e geografias, quer urbanas quer íntimas. Apenas senti que faltava nestas histórias traços periféricos do regime fascista. À época destes contos, Itália já estava sob domínio do regime de Mussolini, e é curioso registar a ausência da iconografia fascista do cuidado com a caracterização visual destes contos. Pergunto-me se será uma omissão intencional. Sendo o policial, e o fumetti, formas de leitura escapista, talvez esta ausência de referências a um período negro da história italiana seja uma forma de não remexer em más memórias. Claro, isto é mera observação, teria de ler mais livros do Comissário Ricciardi para perceber se de Giovanni evita o tema, ou o incorpora nas aventuras do seu personagem.
A edição portuguesa, na coleção Alpeh da Seita, traz-nos três histórias escritas por De Giovanni. As adaptações estão a cargo de Sergio Brancato e Claudio Falco, que traduzem a linguagem literária dos contos para as estruturas da banda desenhada. As ilustrações são de Daniele Bigliardo e Luigi Siniscalchi, desenhadores que trabalham com vários títulos da Bonelli. Leitores mais assíduos de Dylan Dog reconhecem estes nomes, bem como os seus estilos. Realistas, competentes, dentro do estilismo dos fumetti Bonelli.
Dez Cêntimos funciona como uma espécie de história de origem do personagem, num conto tocante sobre como a visão do fantasma de uma menina vítima de um bárbaro assassinato convence o então jovem Ricciardi a dedicar-se à criminologia, uma forma de dar paz às almas penadas com que se cruza. Os Vivos e os Mortos assume um forte lado de crítica social negra, com um mergulho nos vícios das elites napolitanas, e sua intocabilidade. É uma história que aprofunda mais a personagem de Ricciardi, mostrando-o como um homem que se condena à solidão, incapaz de dar asas às suas paixões humanas devido ao peso que sente pela maldição de ver aqueles que morreram. O livro encerra com Mammarella, outro conto negro que nos leva ao lado sórdido de Nápoles, aos seus prostíbulos e frequentadores, da alta sociedade aos criminosos mafiosos, mas que termina com uma reviravolta mais a puxar ao psycho killer do que ao policial sórdido.
Através da coleção Aleph, a Seita tem feito chegar ao público português personagens da banda desenhada italiana que merecem ser conhecidas por cá. Temos, finalmente, Dylan Dog em português (e eu, como dylaniati confesso, fico feliz com estas edições) e Dampyr. Seria talvez de esperar um pouco de Martin Mystère para esta coleção dedicada ao fumetti, mas os seus editores trouxeram antes um outro lado da casa editorial. Os contos do Comissário Ricciardi seguem o caminho da adaptação literária a produtos transmedia, conseguindo equilibrar a sua base de conto com o forte trabalho visual exigido pela banda desenhada, para mais BD comercial, que se rege pelas regras de um realismo pensado para agradar ao maior número possível de leitores. A adaptação é impecável, o trabalho dos argumentistas e ilustradores não só consegue captar o espírito das histórias, como nos mergulha numa rigorosa invocação visual de toda uma época. É a Bonelli a fazer o que faz bem, a dar-nos excelentes propostas de banda desenhada.
Artur Coelho
Dez Cêntimos funciona como uma espécie de história de origem do personagem, num conto tocante sobre como a visão do fantasma de uma menina vítima de um bárbaro assassinato convence o então jovem Ricciardi a dedicar-se à criminologia, uma forma de dar paz às almas penadas com que se cruza. Os Vivos e os Mortos assume um forte lado de crítica social negra, com um mergulho nos vícios das elites napolitanas, e sua intocabilidade. É uma história que aprofunda mais a personagem de Ricciardi, mostrando-o como um homem que se condena à solidão, incapaz de dar asas às suas paixões humanas devido ao peso que sente pela maldição de ver aqueles que morreram. O livro encerra com Mammarella, outro conto negro que nos leva ao lado sórdido de Nápoles, aos seus prostíbulos e frequentadores, da alta sociedade aos criminosos mafiosos, mas que termina com uma reviravolta mais a puxar ao psycho killer do que ao policial sórdido.
Através da coleção Aleph, a Seita tem feito chegar ao público português personagens da banda desenhada italiana que merecem ser conhecidas por cá. Temos, finalmente, Dylan Dog em português (e eu, como dylaniati confesso, fico feliz com estas edições) e Dampyr. Seria talvez de esperar um pouco de Martin Mystère para esta coleção dedicada ao fumetti, mas os seus editores trouxeram antes um outro lado da casa editorial. Os contos do Comissário Ricciardi seguem o caminho da adaptação literária a produtos transmedia, conseguindo equilibrar a sua base de conto com o forte trabalho visual exigido pela banda desenhada, para mais BD comercial, que se rege pelas regras de um realismo pensado para agradar ao maior número possível de leitores. A adaptação é impecável, o trabalho dos argumentistas e ilustradores não só consegue captar o espírito das histórias, como nos mergulha numa rigorosa invocação visual de toda uma época. É a Bonelli a fazer o que faz bem, a dar-nos excelentes propostas de banda desenhada.
Artur Coelho
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Comissário Ricciardi: Primeiros Inquéritos
Autor: Maurizio de Giovanni, Sergio Brancato, Claudio Falco, Daniele Bigliardo, Luigi Siniscalchi
Editora: A Seita
Ano de edição: 2021
Páginas: 126 páginas, capa dura
Preço: 13€
Comissário Ricciardi: Primeiros Inquéritos
Autor: Maurizio de Giovanni, Sergio Brancato, Claudio Falco, Daniele Bigliardo, Luigi Siniscalchi
Editora: A Seita
Ano de edição: 2021
Páginas: 126 páginas, capa dura
Preço: 13€