RESENHA BD
Andrómeda, de Zé Burnay
04-02-2020
Já suspeitava que iria gostar deste livro, quando visitei a exposição que lhe foi dedicada no AmadoraBD 2019. Não sabia era que ia gostar tanto da leitura. Mas refletindo, é o tipo de livro que enche as medidas deste leitor. Tem um traço incrível em registo de preto e branco, e demasiadas referências à iconografia da antiguidade clássica para não deixar indiferente quem aprecia a herança greco-romana.
Na verdade, é impossível não olhar para uma história em que um homem tenta regressar a casa sem pensar na Odisseia. Tal como Ulisses, o personagem desta história tem de atravessar terras misteriosas e enfrentar estranhas criaturas. A sua capacidade mental está sempre à prova em sítios onde as coisas não são o que parecem. Tem de sobreviver, navegando entre espaços agrestes e vida selvagem implacável. Tem de aproveitar todas as pistas para encontrar algo que lhe indique o caminho para o distante lar.
Ao contrário da Odisseia, esta não é uma história completa. Não há ponto de partida nem chegada, o que adensa o seu lado misterioso e aguça a curiosidade. O livro publica três episódios do que é claramente um trabalho de paixão. Que, a julgar pelo primeiro, Bugónia, talvez tenha começado por ser algo completamente experimental, que se condensou numa narrativa. É o menos enigmático dos episódios, e o mais linear.
Já no seguinte, A House in the Horizon, já se nota uma construção narrativa explícita, nesta espécie de casa na pradaria on mushrooms, que mete um casarão ao estilo Bates Motel no meio de uma paisagem assolada por horrendas harpias. O livro termina com o episódio jodorowskiano Our Mother The Mountain, talvez o mais claramente iniciático. Não só pela montanha e seus oráculos, mas pelo sentido das forças míticas que guiam ou impedem o herói na busca do seu caminho.
Já suspeitava que iria gostar deste livro, quando visitei a exposição que lhe foi dedicada no AmadoraBD 2019. Não sabia era que ia gostar tanto da leitura. Mas refletindo, é o tipo de livro que enche as medidas deste leitor. Tem um traço incrível em registo de preto e branco, e demasiadas referências à iconografia da antiguidade clássica para não deixar indiferente quem aprecia a herança greco-romana.
Na verdade, é impossível não olhar para uma história em que um homem tenta regressar a casa sem pensar na Odisseia. Tal como Ulisses, o personagem desta história tem de atravessar terras misteriosas e enfrentar estranhas criaturas. A sua capacidade mental está sempre à prova em sítios onde as coisas não são o que parecem. Tem de sobreviver, navegando entre espaços agrestes e vida selvagem implacável. Tem de aproveitar todas as pistas para encontrar algo que lhe indique o caminho para o distante lar.
Ao contrário da Odisseia, esta não é uma história completa. Não há ponto de partida nem chegada, o que adensa o seu lado misterioso e aguça a curiosidade. O livro publica três episódios do que é claramente um trabalho de paixão. Que, a julgar pelo primeiro, Bugónia, talvez tenha começado por ser algo completamente experimental, que se condensou numa narrativa. É o menos enigmático dos episódios, e o mais linear.
Já no seguinte, A House in the Horizon, já se nota uma construção narrativa explícita, nesta espécie de casa na pradaria on mushrooms, que mete um casarão ao estilo Bates Motel no meio de uma paisagem assolada por horrendas harpias. O livro termina com o episódio jodorowskiano Our Mother The Mountain, talvez o mais claramente iniciático. Não só pela montanha e seus oráculos, mas pelo sentido das forças míticas que guiam ou impedem o herói na busca do seu caminho.
Este caráter místico é sublinhado pelo mistério que rodeia a personagem. Não há infodumps a explicar que estranha terra é aquela, bem como a origem do homem em busca de caminhos. Veste um blusão com uma insígnia vagamente espacial, como se fosse um astronauta perdido numa zona alienígena. Isto, é o que a minha mente formatada para a ficção científica intui. Outros terão outras leituras, e isso faz parte do gosto por este livro. É intencionalmente opaco, não se prestando a interpretações óbvias.
Apesar dos encantos narrativos, é na estética que este livro explode. Pronto, explodir talvez não seja o melhor adjetivo, porque o registo é de um agressivo mas discreto preto e branco. Tem um toque soturno, mas não segue esse caminho. Cada vinheta é um doce para o olhar, cheia de pormenores visuais desenhados com uma mestria implacável. Há um constante jogo entre o natural, rugoso e agreste, e iconografias místicas, que me parecem mesclar a tradição greco-romana com outros mundos mentais mais primevos.
A edição da Seita, que traz a um público mais alargado uma obra que já conta com edições anteriores independentes (objetos de culto, suspeito), inclui um conjunto de ilustrações onde artistas convidados, num grupo que vai de Mignola a Mosi, dão-nos a sua visão sobre o mundo de Andrómeda. Complementa-se com alguns esboços e conceitos, que ajudam-nos a perceber melhor a visão do autor.
Para quem já conhecia este livro, das apresentações do autor ou das edições via Indiegogo, não há aqui grandes surpresas. Não é o meu caso, cuja curiosidade ficou desperta no AmadoraBD, e para quem esta leitura foi, atrevo-me a qualificar, avassaladora. Mais do que o classicismo da história, é o traço fabuloso do autor que torna este um dos melhores, livros de Banda Desenhada que li nos últimos tempos.
Artur Coelho
Apesar dos encantos narrativos, é na estética que este livro explode. Pronto, explodir talvez não seja o melhor adjetivo, porque o registo é de um agressivo mas discreto preto e branco. Tem um toque soturno, mas não segue esse caminho. Cada vinheta é um doce para o olhar, cheia de pormenores visuais desenhados com uma mestria implacável. Há um constante jogo entre o natural, rugoso e agreste, e iconografias místicas, que me parecem mesclar a tradição greco-romana com outros mundos mentais mais primevos.
A edição da Seita, que traz a um público mais alargado uma obra que já conta com edições anteriores independentes (objetos de culto, suspeito), inclui um conjunto de ilustrações onde artistas convidados, num grupo que vai de Mignola a Mosi, dão-nos a sua visão sobre o mundo de Andrómeda. Complementa-se com alguns esboços e conceitos, que ajudam-nos a perceber melhor a visão do autor.
Para quem já conhecia este livro, das apresentações do autor ou das edições via Indiegogo, não há aqui grandes surpresas. Não é o meu caso, cuja curiosidade ficou desperta no AmadoraBD, e para quem esta leitura foi, atrevo-me a qualificar, avassaladora. Mais do que o classicismo da história, é o traço fabuloso do autor que torna este um dos melhores, livros de Banda Desenhada que li nos últimos tempos.
Artur Coelho
Andrómeda ou O Longo Caminho Para Casa
Autor: Zé Burnay
Editora: A Seita
Ano de edição: 2020
Páginas: 128 páginas, capa dura
Preço: 18€