ENTREVISTA EXCLUSIVA COM MIGUEL ROCHA
22-05-2024
“Depois de trabalhar 10 anos em publicidade e artes gráficas, comecei a fazer banda-desenhada em 1998, tinha 30 anos e uma ideia muito vaga sobre o que isso significa. Desde então realizei vários livros e exposições e ganhei alguns prémios. Fui bolseiro do Ministério da Cultura em 2001 para a realização do livro “Beterraba: A Vida numa Colher” e em 2019 para “A Rainha dos Canibais”. Colaboro com frequência como artista plástico e autor em projectos de teatro e editoriais. Tenho livros e contos premiados e publicados em Portugal, Espanha, França, Itália e Polónia. Enquanto continuo a tentar perceber o que pode ser fazer BD (e tento acabar três estórias), estou a participar na criação de um espectáculo de teatro-de-papel. Ocasionalmente, imprimo e encaderno livros.” (introdução de Miguel Rocha)
+info:
https://www.wook.pt/autor/miguel-rocha/4249611/122
https://estoriografica.weebly.com/
“Depois de trabalhar 10 anos em publicidade e artes gráficas, comecei a fazer banda-desenhada em 1998, tinha 30 anos e uma ideia muito vaga sobre o que isso significa. Desde então realizei vários livros e exposições e ganhei alguns prémios. Fui bolseiro do Ministério da Cultura em 2001 para a realização do livro “Beterraba: A Vida numa Colher” e em 2019 para “A Rainha dos Canibais”. Colaboro com frequência como artista plástico e autor em projectos de teatro e editoriais. Tenho livros e contos premiados e publicados em Portugal, Espanha, França, Itália e Polónia. Enquanto continuo a tentar perceber o que pode ser fazer BD (e tento acabar três estórias), estou a participar na criação de um espectáculo de teatro-de-papel. Ocasionalmente, imprimo e encaderno livros.” (introdução de Miguel Rocha)
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A entrevista
Que memórias tens dos primeiros livros de banda desenhada que leste ou compraste em criança?
O meu primeiro livro foi um Spirou, “Os Herdeiros”, o segundo o “Obélix & Companhia” e o terceiro “A Diligência” do Lucky Luke. Foram livros que li e re-li furiosamente até comprar o meu primeiro Valerian, “A Cidade das Águas Movediças”, numa feira-do-livro em Portimão, onde comecei a desenvolver as minhas competências de escapismo durante umas férias na praia, na altura odiava estar na praia. Depois disso, lembro-me de como gostava de viajar de elétrico em Lisboa (fui para Lx aos 13 anos) a ler as revistas de BD que o meu pai encomendava e eu ia buscar. A revista Tintin e as afins, e também a A Suivre, a Echo des savannes, a Metal-Hurlant, que não conseguia ler assim tão bem mas gostava mais.
Em 1997 começas a dedicar-te à banda desenhada. Que importância tiveram as formações na Escola António Arroio e na Sociedade Nacional de Belas-Artes na aquisição de competências para desenvolveres os teus projetos de BD?
Praticamente não desenhava; na António Arroio foi onde aprendi a desenhar de facto. Tive um mestre de cerâmica que me obrigava a projectar as peças no papel, ensinou-me a olhar e a ver. Mas eu insistia em desenhar a marcador, ele queria grafite, e não cheguei a perceber o que implicava desenhar. Na SNBA ensinaram-me uma data de coisas importantes para a abordagem mais clássica ao desenho (aí era tudo a carvão, grafite e óleo, nada de marcador, que é a técnica que formou a minha abordagem ao desenho e à cor), aprendi alguma da ginástica encéfalo-motora fundamental e, principalmente, deixaram-me um enorme gosto em desenhar pessoas despidas.
Que vantagens vês na BD para expressares as tuas ideias e em que género narrativo te sentes mais confortável?
A minha outra grande experiência narrativa é na escrita para teatro, tenho meia dúzia de textos representados, alguns em co-autoria. A grande vantagem da BD é que posso quase fazer o que me apetece, as personagens fazem o que eu quero, onde eu quero da forma que me passou pela cabeça. Depois terei de encontrar um editor disposto a investir na coisa. Já foi mais difícil esta parte, e agora faço menos livros.
Aplicas linguagens gráficas e plásticas distintas nos álbuns de BD que tens vindo a produzir. Como descreverias a evolução do teu estilo gráfico?
Não será tanto uma evolução, sou conduzido pelas circunstâncias: Como está financiado?
E, há tempo? Quanto? Tempo é dinheiro, o dinheiro não vale nada (quase nunca há tempo, e se houver hei-de protelar até deixar de haver). Já estive mais digital, agora gosto mesmo é de desenhar em papel (no entanto o projecto em que estou a trabalhar é fundamentalmente digital). O meu cuidado é que o estilo visual seja factor no explanar da estória.
Na qualidade de argumentista e ilustrador, como desenvolves as tuas estórias desde a conceção à paginação do livro? Qual é o processo criativo típico de um projeto teu?
Uso o método Post-iT®. Escrevo e desenho montes de ideias em papelinhos de tamanhos e cores diferentes (aproveito restos da serigrafia, com frequência são papeis bons para desenhar com técnicas que envolvam água) que vou fixando na parede (com imanes, aparafusei umas chapas de ferro zincado à parede do estúdio). Depois à medida que lanço o livro vou reorganizando os papelinhos, acrescento e tiro coisas. Diverte-me mais não ter uma imagem clara de como a coisa vai acabar, isso claro vai ter um reflexo na narrativa e anima a conversa com os editores.
A minha outra grande experiência narrativa é na escrita para teatro, tenho meia dúzia de textos representados, alguns em co-autoria. A grande vantagem da BD é que posso quase fazer o que me apetece, as personagens fazem o que eu quero, onde eu quero da forma que me passou pela cabeça. Depois terei de encontrar um editor disposto a investir na coisa. Já foi mais difícil esta parte, e agora faço menos livros.
Aplicas linguagens gráficas e plásticas distintas nos álbuns de BD que tens vindo a produzir. Como descreverias a evolução do teu estilo gráfico?
Não será tanto uma evolução, sou conduzido pelas circunstâncias: Como está financiado?
E, há tempo? Quanto? Tempo é dinheiro, o dinheiro não vale nada (quase nunca há tempo, e se houver hei-de protelar até deixar de haver). Já estive mais digital, agora gosto mesmo é de desenhar em papel (no entanto o projecto em que estou a trabalhar é fundamentalmente digital). O meu cuidado é que o estilo visual seja factor no explanar da estória.
Na qualidade de argumentista e ilustrador, como desenvolves as tuas estórias desde a conceção à paginação do livro? Qual é o processo criativo típico de um projeto teu?
Uso o método Post-iT®. Escrevo e desenho montes de ideias em papelinhos de tamanhos e cores diferentes (aproveito restos da serigrafia, com frequência são papeis bons para desenhar com técnicas que envolvam água) que vou fixando na parede (com imanes, aparafusei umas chapas de ferro zincado à parede do estúdio). Depois à medida que lanço o livro vou reorganizando os papelinhos, acrescento e tiro coisas. Diverte-me mais não ter uma imagem clara de como a coisa vai acabar, isso claro vai ter um reflexo na narrativa e anima a conversa com os editores.
Dos vários projetos que desenvolveste, desde 1997, qual achas que melhor te representa como autor de banda desenhada, e porquê?
Costumo oferecer o “Beterraba: A Vida numa Colher” às pessoas que conheço e com quem simpatizo. Não me representa como autor, tem 20 anos e um estilo que pouco voltei a usar. Mas é o mais pessoal, aconteceu numa altura particularmente feliz.
Gostarias de ver alguma das tuas bandas desenhadas adaptadas para outros meios como jogos, teatro, animação, cinema ou televisão? Na tua opinião, qual BD tem maior potencial de adaptação?
Ouvi dizer que esses processos de adaptação são penosos. Uma vez assisti a um concerto inspirado no “Beterraba”, outra vez foi a “Eduarda” e uma pequena história foi tratada pelos Mão-Morta (no meio de outras histórias doutros autores da colecção da Ao Norte). Foram acontecimentos divertidos. Gosto quando a adaptação atravessa para meios muito diferentes. Quando a adaptação é para meios com imagem é geralmente redutora (com excepção do animé de que geralmente gosto mais do que das mangá originais).
O que achas do crescimento da banda desenhada portuguesa nos últimos anos e, na tua perspetiva, o que pode ser feito para melhorar a situação atual? Ao nível do ensino da BD em Portugal, o que achas que pode ser melhorado?
Não estou por dentro. Estou contente que haja cursos. Permitem a emergência de muitos novos autores, alguns mesmo bons, já com bagagem e uma ideia do que é fazer BD.
A tradução e publicação de BD portuguesa no estrangeiro deve ser uma aposta das editoras nacionais tendo em conta a dimensão do mercado português? Que álbuns teus e de autores que admiras gostarias de ver publicados fora de Portugal?
Sim, seria interessante haver um mercado maior. Agora, a BD é uma industria, são publicados milhões de títulos pelo mundo, a oferta é imensa. A banda desenhada é um mundo de paixões fortes, o seu número de devotos à causa é extraordinário. Acho que muitos dos livros importantes para circular vão fazendo o seu caminho por cá e por lá.
Somos todos consumidores de estórias nos mais variados meios. O que andas a ler/ver/jogar agora e que autores/realizadores/designers segues com mais atenção?
Não sigo ninguém, espero o que aparece, há alguns criadores que gosto de encontrar. Na BD gosto muito de tropeçar no Blutch ou no Blain ou no Larcenet, também gosto muito de encontrar o Fazenda, o Abranches e o Trondheim, sei lá, gosto de livros e de BD e é bom descobrir. Depois, estou a acabar com o Saunders e à espera que escreva outro livro. Jogos de tabuleiro, menos narrativos e mais de rir.
A BD digital e os webcomics têm vindo a ganhar leitores nos últimos anos. O que achas desta forma de consumir banda desenhada?
É muita coisa (com livros que se digitalizam e webcomics que viram livro). Um grande sistema de criação e divulgação e poupa imenso papel. Consumo, claro, mas gosto mais em livro.
A inteligência artificial é um fenómeno recente, mas tem vindo a transformar processos criativos e como se produz ilustração e BD. Quais as vantagens e desvantagens, na tua opinião, desta nova forma de trabalhar?
É uma ferramenta impressionante, e mais um episódio na viagem para um universo “fake”, onde qualquer coisa “é” apenas porque pode ser evocada. Uma apropriação do potencial da imaginação, mas sem a possibilidade de perceber o real. É uma ferramenta de texto, cria pelas regras da sintaxe. Para mim o ato criativo é uma intuição que envolve muito mais do que a formulação textual de uma ideia. O mínimo denominador comum em jeito de síntese da experiência humana não me satisfaz e não consigo acreditar que a imaginação ou a emoção se reproduzam num copy-paste.
Que projeto de BD estás a desenvolver neste momento e que novidades podes dar em termos de publicações futuras?
Estou a trabalhar na décima adaptação dos “Lusíadas” e continuo os “Canibais” (na fase Post-it).
Não sigo ninguém, espero o que aparece, há alguns criadores que gosto de encontrar. Na BD gosto muito de tropeçar no Blutch ou no Blain ou no Larcenet, também gosto muito de encontrar o Fazenda, o Abranches e o Trondheim, sei lá, gosto de livros e de BD e é bom descobrir. Depois, estou a acabar com o Saunders e à espera que escreva outro livro. Jogos de tabuleiro, menos narrativos e mais de rir.
A BD digital e os webcomics têm vindo a ganhar leitores nos últimos anos. O que achas desta forma de consumir banda desenhada?
É muita coisa (com livros que se digitalizam e webcomics que viram livro). Um grande sistema de criação e divulgação e poupa imenso papel. Consumo, claro, mas gosto mais em livro.
A inteligência artificial é um fenómeno recente, mas tem vindo a transformar processos criativos e como se produz ilustração e BD. Quais as vantagens e desvantagens, na tua opinião, desta nova forma de trabalhar?
É uma ferramenta impressionante, e mais um episódio na viagem para um universo “fake”, onde qualquer coisa “é” apenas porque pode ser evocada. Uma apropriação do potencial da imaginação, mas sem a possibilidade de perceber o real. É uma ferramenta de texto, cria pelas regras da sintaxe. Para mim o ato criativo é uma intuição que envolve muito mais do que a formulação textual de uma ideia. O mínimo denominador comum em jeito de síntese da experiência humana não me satisfaz e não consigo acreditar que a imaginação ou a emoção se reproduzam num copy-paste.
Que projeto de BD estás a desenvolver neste momento e que novidades podes dar em termos de publicações futuras?
Estou a trabalhar na décima adaptação dos “Lusíadas” e continuo os “Canibais” (na fase Post-it).
Entrevistador: Marco Fraga Silva
Artigo Web: Sérgio Santos |