WALLY WOOD
2017-02-27
Ao contrário do que se passa nos comics, na vida real "os maus" frequentemente ganham no fim.
Dois objetivos têm balizado estes artigos: primeiro, reivindicar o estatuto do desenhador como principal agente na criação dos comics, merecedor do devido crédito, justa compensação monetária e liberdade criativa e, segundo, denunciar a hipocrisia e a vilania vigentes na indústria e meios associados. Por um lado, tenho-o feito contando pequenas histórias ilustrativas do estado deste meio e por outro escrevendo breves elegias de alguns dos desenhadores cuja obra moldou este meio de expressão ao longo da segunda metade do século passado.
Hoje, volto-me para Wallace Wood.
Ao contrário do que se passa nos comics, na vida real "os maus" frequentemente ganham no fim.
Dois objetivos têm balizado estes artigos: primeiro, reivindicar o estatuto do desenhador como principal agente na criação dos comics, merecedor do devido crédito, justa compensação monetária e liberdade criativa e, segundo, denunciar a hipocrisia e a vilania vigentes na indústria e meios associados. Por um lado, tenho-o feito contando pequenas histórias ilustrativas do estado deste meio e por outro escrevendo breves elegias de alguns dos desenhadores cuja obra moldou este meio de expressão ao longo da segunda metade do século passado.
Hoje, volto-me para Wallace Wood.
Se há histórias de vida que podem servir de aviso aos mais incautos aspirantes a desenhador, a deste artista é, sem dúvida, uma das mais pungentes. Wally Wood foi um dos mais pródigos talentos que atravessou a indústria dos comic books norte-americanos. Senhor de uma capacidade de finalização da arte ímpar, com um domínio absoluto da composição de sombras e do claro-escuro e detentor daquele que podemos considerar como provavelmente o traço mais polido de entre todos os seus contemporâneos, Wood destacou-se pela sua incrível capacidade camaleónica de adaptar o seu desenho aos mais variados registos. Humor, ficção-científica, terror, suspense, super-heróis, fantasia, erotismo ... em qualquer um destes géneros revelou um comando do grafismo muito acima da mediania, destacando-se particularmente na ficção-científica, onde criou uma certa escola visual.
Tendo começado no pós-segunda guerra mundial, em 1948, cedo se destacou como assistente de Will Eisner em The Spirit, acabando por atingir o estrelato, sempre altamente relativo no que se refere aos comic books, com os seus trabalhos de suspense, terror e ficção-científica na década de 1950 para a casa editorial EC, mas não se ficou por aí. Repetiu o sucesso com as paródias que desenhou, seguindo os guiões de Harvey Kurtzman, para a primeira etapa da revista Mad, quando esta ainda era assumidamente um comic book. Esta fase da sua carreira ficou para sempre impregnada na memória de milhares de baby boomers norte-americanos, influenciando toda uma geração de autores do movimento de comics underground e, em última análise, a própria cultura popular norte-americana, como é patente ainda hoje em fenómenos globais como The Simpsons e os seus vários clones. Se tivesse ficado por aqui, o trabalho de Wood já teria tido impacto suficiente para não ser esquecido, pelo menos pelos poucos curiosos que dedicam o seu tempo a estudar este tipo particular de subculturas.
Um dos elementos essenciais na amargura que pautou o percurso trágico de Wood terá sido a sua passagem meteórica pela Marvel nos anos 60 do século passado. Ao contrário do que a maioria desconhece, muito do que hoje se associa à personagem do Demolidor (Daredevil, no original) se deve à contribuição de Wally Wood. O traje vermelho com o duplo D, a representação gráfica do sentido de radar, o bastão, foram todos elementos introduzidos autonomamente por Wood, sem contributo de Stan Lee. Ao longo de sete breves números, Wood revitalizou a personagem para logo de seguida a abandonar. Porquê?
A resposta talvez possa ser encontrada na correspondência trocada desde 1976 até 1981 com John Hitchcok, um entusiasta do meio e dono de uma loja de comic books. Nessas cartas, Wood desabafa:
I want the credit (and the money) for everything I do! And I resent guys like Stan Lee more than I can say! He's my one reason for living... I want to see that no-talent bum get his...
My advice is, don't be a creator. It's much more fun, and much more rewarding to be a defacer with a title . . . "Creative Director" or "Assistant Associate Editorial Consultant".
Ou ainda, de modo mais efusivo no seu ensaio WHAT MAKES STANLEY RUN? :
Once upon a time, many years ago a young man, born the son of a famous comic book publisher, decided to become rich and famous. He
had no idea of how to go about this at first, lacking both the brains and talent to achieve this goal. But he was driven by one emotion, rather TWO .. ENVY and HATE. Envy for the people who were responsible for his enviable state, and hatred for the people who could DRAW. Comics are, after all, an artist’s medium. I’ve never read a story in comics that I’d bother with if it were written in novel form.
Did I say Stanley had no smarts? Well, he DID come up with two sure fire ideas… the first one was “Why not let the artists WRITE the stories as well as draw them?”… And the second was … ALWAYS SIGN YOUR NAME ON TOP …BIG”. And the rest is history … Stanley, of course became rich and famous … over the bodies of people like Bill and Jack. Bill, who had created the character that had made his father rich wound up COLORING and doing odd jobs.
And Jack? Well, a friend of mine summed it up like this .. “Stanley and Jack have a conference, then Jack goes home, and after a couple of
month’s gestation, a new book is born. Stanley gets all the money and all the credit… And all poor old Jack gets is a sore ass hole.
Para os menos informados, o Bill e o Jack a que se refere o texto são, naturalmente, Bill Everett (criador de Namor) e Jack Kirby...
Malogradas as suas tentativas de mudar o sistema através da autoedição em experiências como Witzend, Wood acabou por sucumbir às duras condições típicas da indústria dos comics, pautada pela falta de liberdade criativa, por remuneração e reconhecimento que não estão à altura do esforço empreendido, pela ausência de segurança social, pela falta de liberdade de expressão com direito a represálias para os tarefeiros que ousem falar contra os editores/sistema, pelo nepotismo e compadrios mafiosos, etc. Estas pressões, no caso de Wood, conduziram-no ao alcoolismo, terminando dois casamentos em divórcios (a sua primeira mulher, Tatjana Wood, colorista premiada da DC ficou com muita da arte original do desenhador, recusando-se a devolvê-la ao artista) e degradando a sua saúde ao ponto da falência renal e de um AVC que o deixou cego de um olho. Nos seus últimos tempos de vida, Wood dedicava-se à produção de comics pornográficos. São desta última fase, a sua famosa mantra :
Never draw anything you can copy, never copy anything you can trace, never trace anything you can cut out and paste up.
Wallace Wood acabou por se suicidar com um tiro de caçadeira a 2 de Novembro de 1981. Um fim triste para um desenhador fora de série.
Never draw anything you can copy, never copy anything you can trace, never trace anything you can cut out and paste up.
Wallace Wood acabou por se suicidar com um tiro de caçadeira a 2 de Novembro de 1981. Um fim triste para um desenhador fora de série.
Stan Lee continua vivo e aos noventa e quatro anos vive numa mansão em Hollywood, é reconhecido quase universalmente como uma espécie de Walt Disney dos comic books, faz aparições regulares nos filmes dos estúdios da Marvel/Disney e recebe um ordenado base de um milhão de dólares anuais desde 1 de Novembro de 2002, valor que continuará a receber anualmente até à data da sua morte. Após a morte dele, se a sua mulher ainda for viva, esta continuará a receber meio milhão de dólares anuais até morrer. A filha do casal receberá cem mil dólares anuais nos cinco anos subsequentes à morte do pai.
- O Desenhador Fantasma