OS ESPECIALISTAS
2017-01-30
Arrisco dizer que, em tempos mais recentes, também contribuiu para o menosprezo da figura do desenhador a crescente importância do aspecto "literário" dos comics que, em terras norte-americanas, tem vindo a ser cultivado desde o final dos anos 1970 por figuras como Will Eisner, pelo lobbie indie/alt/art comix fruto da sinergia do combo Gary Groth/Art Spiegelman, desembocando no "movimento" das graphic novels. Suporte fundamental desta visão têm sido os inúmeros críticos/especialistas/académicos cujo discurso relativo aos comics é quase sempre subordinado a um enfoque "literário"... Porquê esta atitude, por parte desses especialistas? A verdade é que se tratam quase sempre de profissionais da palavra: escritores, editores, académicos, indivíduos cuja formação subordina a imagem à palavra e que, quiçá inadvertidamente, subordinam também as obras que analisam a esse mesmo paradigma. Indivíduos que, apesar de eventuais possuidores de competências desenvolvidas a nível da sensibilidade e do espírito crítico, geralmente não têm uma educação visual. A sua formação é outra, é a da palavra.
Arrisco dizer que, em tempos mais recentes, também contribuiu para o menosprezo da figura do desenhador a crescente importância do aspecto "literário" dos comics que, em terras norte-americanas, tem vindo a ser cultivado desde o final dos anos 1970 por figuras como Will Eisner, pelo lobbie indie/alt/art comix fruto da sinergia do combo Gary Groth/Art Spiegelman, desembocando no "movimento" das graphic novels. Suporte fundamental desta visão têm sido os inúmeros críticos/especialistas/académicos cujo discurso relativo aos comics é quase sempre subordinado a um enfoque "literário"... Porquê esta atitude, por parte desses especialistas? A verdade é que se tratam quase sempre de profissionais da palavra: escritores, editores, académicos, indivíduos cuja formação subordina a imagem à palavra e que, quiçá inadvertidamente, subordinam também as obras que analisam a esse mesmo paradigma. Indivíduos que, apesar de eventuais possuidores de competências desenvolvidas a nível da sensibilidade e do espírito crítico, geralmente não têm uma educação visual. A sua formação é outra, é a da palavra.
Um exemplo paradigmático deste fenómeno é o recorrente menosprezo ou "snobismo" de muitos críticos face ao contributo de Dave Gibbons em Watchmen. Não querendo de modo algum exacerbar o papel de Gibbons, por quem não nutro particular simpatia a nível pessoal, ou pôr em causa a integridade intelectual ou o mérito criativo de Alan Moore, seguramente o melhor escritor de banda desenhada em língua inglesa desde Harvey Kurtzman, pergunto: Mesmo tendo em conta os bizantinos guiões de Moore, como seria este mesmo comic se fosse desenhado, por exemplo, por Eddie Campbell? Ou por Steve Bissette? Estaríamos perante o mesmo "texto"? É que, em última análise, o "texto" da BD é o objecto publicado, a totalidade da coisa e não somente o texto escrito no guião ou o que aparece no interior de balões e legendas. Imaginem a crítica de cinema reduzida a um enfoque nos guiões, nos diálogos, nos character-arcs, relegando para segundo plano ou mesmo ignorando totalmente a montagem, a cenografia, o trabalho de actores, os figurinos, a realização... É precisamente isto que acontece de modo recorrente com a crítica especializada, mesmo com os mais eruditos. Uma vez mais, penso que o problema reside no paradoxal menosprezo pela importância do desenhador e do desenho. Foi necessário um talento e um domínio da disciplina do desenho da ordem de Gibbons, com o seu rigor quase cristalino, para dar corpo e imagem, materialidade, à estrutura imaginada por Moore. Sem isso, não seria a mesma coisa, por muito bom que fosse o guião de Moore. Isto, caro leitor, não é de menosprezar.
Repetida e geralmente, quando falamos de editores/escritores/críticos/especialistas, falamos de agentes para quem o desenho ou é apenas um meio para atingir um fim, ou uma ferramenta que não dominam. No fundo, tratando-a como mais uma forma de controlo a seu favor. Tudo isto não deixa de ser irónico, tendo em conta que falamos daquilo que em Portugal chamamos de banda-desenhada. Talvez por isso, haja este crescente interesse na divulgação de outro termo alternativo, o tal de graphic novel... é que as palavras moldam as mentalidades, como aqueles que as dominam sabem muito bem. No fim de contas, penso que o melhor seria chamar-lhes comics, porque me parece que há algo de profundamente cómico em tudo isto.
Repetida e geralmente, quando falamos de editores/escritores/críticos/especialistas, falamos de agentes para quem o desenho ou é apenas um meio para atingir um fim, ou uma ferramenta que não dominam. No fundo, tratando-a como mais uma forma de controlo a seu favor. Tudo isto não deixa de ser irónico, tendo em conta que falamos daquilo que em Portugal chamamos de banda-desenhada. Talvez por isso, haja este crescente interesse na divulgação de outro termo alternativo, o tal de graphic novel... é que as palavras moldam as mentalidades, como aqueles que as dominam sabem muito bem. No fim de contas, penso que o melhor seria chamar-lhes comics, porque me parece que há algo de profundamente cómico em tudo isto.
- O Desenhador Fantasma