JACK KIRBY
2017-01-09
Jack Kirby cresceu num gueto de Nova-Iorque, lutou e venceu os nazis na Segunda Grande Guerra e tornou-se no maior desenhador de sempre dos comics mainstream norte-americanos. Apesar disso, ao longo de toda a sua vida nunca deixou de sofrer a pressão do dedo gigante que procura esmagar contra a parede os que têm a ousadia de se querer erguer acima das suas origens ou classe.
Jack Kirby cresceu num gueto de Nova-Iorque, lutou e venceu os nazis na Segunda Grande Guerra e tornou-se no maior desenhador de sempre dos comics mainstream norte-americanos. Apesar disso, ao longo de toda a sua vida nunca deixou de sofrer a pressão do dedo gigante que procura esmagar contra a parede os que têm a ousadia de se querer erguer acima das suas origens ou classe.
Um dos exemplos da abordagem "fordiana" da criação dos comics no final dos nos 1930 foi o Estúdio Eisner & Iger, por onde passou o talento ainda embrionário daquele que viria a ser o mais fértil e visionário dos desenhadores norte-americanos de super-heróis. Talvez por esse motivo, Will Eisner, patrão, teria tido dificuldade em reconhecer Kirby como mais do que um dos muitos tarefeiros da indústria de entretenimento, nunca chegando a vê-lo como um criador ao nível de si próprio. Segundo Howard Chaykin, Eisner teria mesmo conspirado com Art Spiegelman, outro dos barões do meio norte-americano, para manter Jack Kirby fora do cânone "oficial" dos grandes autores de comics. Parece que terá sido a intervenção do escritor e colecionador de pranchas de comics originais Glenn David Gold a conseguir deter esta sinistra maquinação. Neste caso, a ser verdade, felizmente a história seguiu o melhor caminho e a justiça acabou por ser feita a Kirby, ainda que, sob alguns aspectos, tarde e a más horas.
O paradigma do desenhador-tarefeiro não esteve circunscrito aos primórdios da Segunda Guerra Mundial, tendo-se propagado pelas décadas. Basta recordarmos os percursos profissionais e a falta de reconhecimento público além-comics do próprio Kirby ou de Steve Ditko, co-criador do Homem-Aranha, por comparação ao editor/escritor Stan Lee. Durante décadas, Lee foi reconhecido nos mais diversos media como uma espécie de Walt Disney da criação dos super-heróis. Alguns certamente ainda se recordarão do velho cabeçalho "Stan Lee presents" nas primeiras páginas das revistas da Marvel Comics durante os anos 1970 e 1980. É no mínimo irónico que o homem responsável pela promoção das linhas de créditos nos comics (na época não era hábito referir a sua autoria) e divulgação do nome de desenhadores como Jack "King" Kirby ou "Sturdy" Steve Ditko, seja simultaneamente o mais desavergonhado auto-promotor e produtor de toda uma mitologia em torno da sua figura pública enquanto "o criador" de personagens como Homem-Aranha ou os X-Men, sem grande espaço de reconhecimento do contributo dos desenhadores para além do já mencionado crédito nas próprias revistas e livros. Kirby, Ditko e tantos outros, meras roscas na engrenagem, peças descartáveis, que só vêm o seu trabalho devidamente reconhecido e justamente compensado por via de intermináveis batalhas jurídicas ou pela pressão exercida por outros pares profissionais e entusiastas da indústria.
Se o maior, o rei dos comics, Jack Kirby, teve um reconhecimento e compensação justa tardios e difíceis, o que esperar para os outros, os desenhadores/operários de linha que suportaram anos de deadlines mas que, por questões diversas, quer de talento, quer de circunstâncias concretas, pessoais ou profissionais, nunca se ergueram acima da mediania? O que esperar para um Don Heck, um George Tuska ou um Mike Sekowsky? Homens que, independentemente das virtudes ou defeitos do seu trabalho, mantiveram as intelectual properties nas bancas cumprindo infalivelmente as datas de entrega mensais? Nada, a não ser o desprezo e o esquecimento. Foram peças descartáveis numa máquina implacável.
Vaidade das vaidades! Tudo é vaidade.
Vaidade das vaidades! Tudo é vaidade.
- O Desenhador Fantasma