RESENHA BD
O Cão que Guarda as Estrelas
Takashi Murakami
2018-12-03
Desafio-vos a não terminar a leitura deste livro com uma lágrima no canto do olho. Ou, pelo menos, ficar com um sentimento de profunda comoção. Especialmente se, como eu, tiverem animais de estimação que gostam de se aproveitar dos vossos momentos de leitura, aninhando-se ao vosso lado no sofá. No meu caso, como a cadela em questão tem um porte apreciável, o sofá torna-se pequeno.
Takashi Murakami tem um daqueles estilos narrativos que manipula na perfeição as emoções do leitor. Conta-nos a história de um ponto de vista de absoluta inocência, sob os olhos de um animal. A antropomorfização é óbvia, esta inocência do cão é um reflexo da nossa visão, que atribui aos nossos animais de companhia sentimentos e emoções que talvez não tenham, numa tentativa de traduzir a sua relação connosco.
Avisa-nos logo nas primeiras vinhetas que a história não tem um final feliz. Começa com a descoberta de dois cadáveres num veículo abandonado, de um homem e de um cão. Os traços de decomposição mostram que o homem faleceu muito antes do animal, indiciando que este, fiel, ficou do seu lado até ao fim. O resto é a história, contada pelo olhar do animal que sabemos que, no final, irá morrer. É uma história entristecedora, mas curiosamente não nos transmite infelicidade.
Há uma relação improvável entre um homem pacato e o cão, trazido para casa por uma filha que se irá afastar. Um homem tranquilo, cuja pacatez e propensão para doença lhe trará a perda do emprego, o afastamento da filha e o divórcio da mulher. Tendo perdido tudo, pega nas suas parcas possessões, no cão que se tornou a sua mais significativa relação, mete-se num carro e ruma a sul. O dinheiro vai-se esgotando. As peripécias de alguém cuja bondade se sobrepõe ao instinto de sobrevivência têm como resultado a completa indigência e a morte súbita por ataque cardíaco. Resta o cão, incapaz de compreender porque é que o dono adormeceu tão profundamente que não consegue acordar. Fica do seu lado, contemplando as estrelas até ele próprio perder a vida.
Desafio-vos a não terminar a leitura deste livro com uma lágrima no canto do olho. Ou, pelo menos, ficar com um sentimento de profunda comoção. Especialmente se, como eu, tiverem animais de estimação que gostam de se aproveitar dos vossos momentos de leitura, aninhando-se ao vosso lado no sofá. No meu caso, como a cadela em questão tem um porte apreciável, o sofá torna-se pequeno.
Takashi Murakami tem um daqueles estilos narrativos que manipula na perfeição as emoções do leitor. Conta-nos a história de um ponto de vista de absoluta inocência, sob os olhos de um animal. A antropomorfização é óbvia, esta inocência do cão é um reflexo da nossa visão, que atribui aos nossos animais de companhia sentimentos e emoções que talvez não tenham, numa tentativa de traduzir a sua relação connosco.
Avisa-nos logo nas primeiras vinhetas que a história não tem um final feliz. Começa com a descoberta de dois cadáveres num veículo abandonado, de um homem e de um cão. Os traços de decomposição mostram que o homem faleceu muito antes do animal, indiciando que este, fiel, ficou do seu lado até ao fim. O resto é a história, contada pelo olhar do animal que sabemos que, no final, irá morrer. É uma história entristecedora, mas curiosamente não nos transmite infelicidade.
Há uma relação improvável entre um homem pacato e o cão, trazido para casa por uma filha que se irá afastar. Um homem tranquilo, cuja pacatez e propensão para doença lhe trará a perda do emprego, o afastamento da filha e o divórcio da mulher. Tendo perdido tudo, pega nas suas parcas possessões, no cão que se tornou a sua mais significativa relação, mete-se num carro e ruma a sul. O dinheiro vai-se esgotando. As peripécias de alguém cuja bondade se sobrepõe ao instinto de sobrevivência têm como resultado a completa indigência e a morte súbita por ataque cardíaco. Resta o cão, incapaz de compreender porque é que o dono adormeceu tão profundamente que não consegue acordar. Fica do seu lado, contemplando as estrelas até ele próprio perder a vida.
Ao longo destas páginas, o sentimentalismo é pungente, é impossível não nos comover. Ajuda a forma como Murakami retrata o animal, especialmente o seu olhar. Quem tem cães, sabe o quanto nos toca o seu olhar, e isso está muito explícito no traço do autor.
O mergulho sentimental não termina com o final desta história. Segue-se outra, sobre um humilde assistente social que tem como incumbência sepultar o morto desconhecido encontrado junto de um cão. Perceber este pormenor toca-o, e é invadido por recordações do seu próprio cão, animal a que nunca prestou muita atenção, percebendo que numa reciprocou a dedicação que este lhe deu. Entre as suas recordações e a busca da identidade do falecido, acaba por tentar, de forma simbólica, reunir o cão e o seu dono espalhando as suas cinzas pelo campo onde o animal foi sepultado. Novamente, a manipulação emocional do leitor é extrema, a capacidade do autor de apelar aos sentimentos é magistral.
Depois de iniciar a publicação em Portugal com a edição de Ghost in The Shell, um clássico do mangá cyberpunk, a JBC surpreende com esta nova edição. Não é um mangá conhecido, nem se destina ao público jovem que a Devir tão bem explora. Não ficamos indiferentes as estas duas histórias que se complementam em O Cão que Guarda as Estrelas. Se a tristeza impera, é-o no sentido da melancolia. Acabamos por sorrir, misturando as nossas próprias recordações de momentos com os nossos animais de estimação com as desventuras da narrativa. O Cão que Guarda as Estrelas é uma história profundamente humana, simples, como todas as histórias que realmente nos tocam. E agora se me desculparem, vou terminar a recensão e fechar o computador. A minha cadela está sentada ao pé de mim, de bola na boca, a contemplar-me com aquele olhar a que não consigo resistir. No mínimo, vou enchê-la de festas e mimos.
Artur Coelho
O mergulho sentimental não termina com o final desta história. Segue-se outra, sobre um humilde assistente social que tem como incumbência sepultar o morto desconhecido encontrado junto de um cão. Perceber este pormenor toca-o, e é invadido por recordações do seu próprio cão, animal a que nunca prestou muita atenção, percebendo que numa reciprocou a dedicação que este lhe deu. Entre as suas recordações e a busca da identidade do falecido, acaba por tentar, de forma simbólica, reunir o cão e o seu dono espalhando as suas cinzas pelo campo onde o animal foi sepultado. Novamente, a manipulação emocional do leitor é extrema, a capacidade do autor de apelar aos sentimentos é magistral.
Depois de iniciar a publicação em Portugal com a edição de Ghost in The Shell, um clássico do mangá cyberpunk, a JBC surpreende com esta nova edição. Não é um mangá conhecido, nem se destina ao público jovem que a Devir tão bem explora. Não ficamos indiferentes as estas duas histórias que se complementam em O Cão que Guarda as Estrelas. Se a tristeza impera, é-o no sentido da melancolia. Acabamos por sorrir, misturando as nossas próprias recordações de momentos com os nossos animais de estimação com as desventuras da narrativa. O Cão que Guarda as Estrelas é uma história profundamente humana, simples, como todas as histórias que realmente nos tocam. E agora se me desculparem, vou terminar a recensão e fechar o computador. A minha cadela está sentada ao pé de mim, de bola na boca, a contemplar-me com aquele olhar a que não consigo resistir. No mínimo, vou enchê-la de festas e mimos.
Artur Coelho
O Cão que Guarda as Estrelas
Autor: Takashi Murakami
Editora: JBC
Ano de edição: 2018
Páginas: 132, capa mole
Preço: 14,99€