MESTRES DA BD
Robert Crumb
2017-08-05
Robert Crumb, um dos cinco filhos do militar de carreira Charles V. Crumb, nasce em 30 de agosto de 1943 em Philadelphia (EUA) num ambiente católico e conservador; com um pai de modos violentos (quebrou-lhe a clavícula quando tinha cinco anos) e uma mãe fervorosa torturada pela culpa. Robert e os seus irmãos tiveram que aprender a fugir rapidamente, e para isso refugiavam-se nos comics que tanto gostavam.
Ainda que certos biógrafos assegurem que Robert começou a rabiscar hábil e espontaneamente com apenas três anos de idade, sabemos que isso acontecia por imposição de Charles (o irmão mais velho). Ele obrigava os seus irmãos a ilustrar múltiplos desenhos de cenas do filme da Ilha do Tesouro (que os havia fascinado), e foi graças a ele que Robert aprendeu a desenhar rápido e bem (“Para despachar-me!”, diria depois numa das suas muitas revistas autobiográficas): “Eu gosto de desenhar, isso é tudo, trata-se de um hábito que tenho profundamente enraizado, graças ao meu irmão Charles. Foi ele quem começou com tudo isto dos comics. Quando éramos crianças; estava obcecado por eles, não lhe interessava no que faziam os meninos normais, nem nos jogos, nem no desporto. Não fazia mais nada que ler comics, desenhá-los, pensar e falar deles. Eu gostava de desenhar, porém interessavam-me por outras coisas além dos comics. Eu gostava de desenhar cenas realistas com edifícios, carros, coisas assim; ele não interessava por nada disto. Reuníamos-nos e conversávamos sobre BD. De facto, o "Clube de Comics Crumb" éramos realmente nós, os cinco irmãos: Charles, Robert, Carol, Sandy e Maxon.”
Robert e o irmão Charles desfrutavam da sua grande colecção de BD
Graças ao Charles e à sua coleção, Robert iria conseguir singrar no mundo da ilustração satírica, donde mais tarde seria uma figura em destaque. Em 1958 descobriu a revista Mad, ficando logo aí fascinado por gente como Harvey Kurtzman, Basil Wolverton e Bill Elder, que inspiraram Robert e Charles a criar o seu primeiro fanzine, Foo Crumb Brothers Almanac: Sátiras e Paródias (uma referência às antigas revistas de Smokey Stover). Crumb aos quinze anos começaria a desenvolver um dos seus personagens mais famosos, Fritz, The Cat. Infelizmente, o projeto Foo (editado originalmente em setembro de 1958) não teve o êxito esperado (realmente circularam poucas cópias), e os irmãos desgostosos queimaram a maior parte dos exemplares existentes. O amor aos comics levou os Crumb a transformaram-se rapidamente nuns “bichos do mato”, cuja vida social se reduzia unicamente a ensinar o seu trabalho aos seus companheiros de estudos e a procurarem vender o seu trabalho na vizinhança (ou ao menos tentar fazê-lo).
Robert Crumb, um dos cinco filhos do militar de carreira Charles V. Crumb, nasce em 30 de agosto de 1943 em Philadelphia (EUA) num ambiente católico e conservador; com um pai de modos violentos (quebrou-lhe a clavícula quando tinha cinco anos) e uma mãe fervorosa torturada pela culpa. Robert e os seus irmãos tiveram que aprender a fugir rapidamente, e para isso refugiavam-se nos comics que tanto gostavam.
Ainda que certos biógrafos assegurem que Robert começou a rabiscar hábil e espontaneamente com apenas três anos de idade, sabemos que isso acontecia por imposição de Charles (o irmão mais velho). Ele obrigava os seus irmãos a ilustrar múltiplos desenhos de cenas do filme da Ilha do Tesouro (que os havia fascinado), e foi graças a ele que Robert aprendeu a desenhar rápido e bem (“Para despachar-me!”, diria depois numa das suas muitas revistas autobiográficas): “Eu gosto de desenhar, isso é tudo, trata-se de um hábito que tenho profundamente enraizado, graças ao meu irmão Charles. Foi ele quem começou com tudo isto dos comics. Quando éramos crianças; estava obcecado por eles, não lhe interessava no que faziam os meninos normais, nem nos jogos, nem no desporto. Não fazia mais nada que ler comics, desenhá-los, pensar e falar deles. Eu gostava de desenhar, porém interessavam-me por outras coisas além dos comics. Eu gostava de desenhar cenas realistas com edifícios, carros, coisas assim; ele não interessava por nada disto. Reuníamos-nos e conversávamos sobre BD. De facto, o "Clube de Comics Crumb" éramos realmente nós, os cinco irmãos: Charles, Robert, Carol, Sandy e Maxon.”
Robert e o irmão Charles desfrutavam da sua grande colecção de BD
Graças ao Charles e à sua coleção, Robert iria conseguir singrar no mundo da ilustração satírica, donde mais tarde seria uma figura em destaque. Em 1958 descobriu a revista Mad, ficando logo aí fascinado por gente como Harvey Kurtzman, Basil Wolverton e Bill Elder, que inspiraram Robert e Charles a criar o seu primeiro fanzine, Foo Crumb Brothers Almanac: Sátiras e Paródias (uma referência às antigas revistas de Smokey Stover). Crumb aos quinze anos começaria a desenvolver um dos seus personagens mais famosos, Fritz, The Cat. Infelizmente, o projeto Foo (editado originalmente em setembro de 1958) não teve o êxito esperado (realmente circularam poucas cópias), e os irmãos desgostosos queimaram a maior parte dos exemplares existentes. O amor aos comics levou os Crumb a transformaram-se rapidamente nuns “bichos do mato”, cuja vida social se reduzia unicamente a ensinar o seu trabalho aos seus companheiros de estudos e a procurarem vender o seu trabalho na vizinhança (ou ao menos tentar fazê-lo).
Crumb teve um precoce despertar sexual na infância
Além do desenho, Robert não tardaria em mostrar-se muito precoce noutro aspecto que também o marcaria por toda vida: a sexualidade, que surgiria muito cedo. Segundo o que ele conta, tinha desejos sexuais com o Buggs Bunny... e com as botas de couro da sua tia e um desejo irrefreável de cavalgar sobre elas. Com um carácter tímido e introvertido (e uma educação primária de colégio católico que lhe enredou a psique até convertê-lo num pequeno puritano reprimido e desorientado), não facilitou em absoluto as coisas na hora de se relacionar com os outros (sobretudo as meninas). Desse modo Robert terá problemas em integrar-se com os seus companheiros: “Recordo que aos treze ou quatorze anos, quando tentava ser um adolescente normal, tomava inúmeras atitudes idiotas. Tentava comportar-me como eles e tornava-me ridículo, era muito estranho, de modo que deixei de fazê-lo e tornei-me numa sombra. Nem sequer estava ali, as pessoas nem estavam conscientes de que eu estivesse ali. Aquilo anulou-me por completo, já que havia desaparecido a pressão por tentar ser normal. Passei a interessar-me pela música antiga, tentei juntar-me aos negros, ia de porta em porta procurando por discos velhos, coisas que são inconcebíveis para um adolescente normal. Quando tinha 17 anos passei a ter essa obsessão de que passaria para a História com um grande artista e que essa seria a minha grande vingança.”
Crumb na adolescência: um anti-social desprezado
Essa atitude anti-social acompanhará Robert Crumb para sempre (pelo menos até aos vinte e tantos anos), isso fará com que se sinta profundamente reprimido e enojado com tudo que o rodeava. Em outubro de 1962 toda a família Crumb muda-se para Cleveland onde Robert encontra trabalho como ilustrador na empresa de cartões de felicitações American Greeting Card Company. Ao mesmo tempo, e para se desprender dessa tediosa rotina, começa a participar em algumas publicações underground como a Yarrowstalks, realizando além disso ilustrações e tiras semanais para a publicação periódica The East Village Other de Nova York. Ao cabo de dois anos de monótona existência, conheceu Dana Morgan para cumprir a profecia que pai fizera anteriormente de que se casaria com a primeira mulher que encontrasse (com quem teve um filho e rapidamente se desentendeu). Entretanto, o LSD aparece na sua vida pela primeira vez para mudá-la para sempre. Rapidamente, a sua maneira de desenhar transforma-se num estilo totalmente psicotrópico e surrealista (conforme os tempos reinantes), de modo que em 1967 (animado pela reacção favorável que receberam alguns desenhos seus publicados em fanzines alternativos) decide mudar-se com a Dana para São Francisco. Epicentro do movimento hippie e das comunidades libertárias que então se formavam no auge do psicadelismo e do chamado flower power. Porém, e nas palavras do próprio Crumb, ele não se sentia parte desse ambiente: “Deus sabe bem que tentei. "
Harvey Kurtzman, criador da revista Mad
Será nesse mundo hippie que Crumb irá crescer como artista: começa a colaborar como profissional noutras publicações, entre elas a Help!, revista humorística editada por James Warren onde Crumb consegue realizar um de seus maiores sonhos: trabalhar com Harvey Kurtzman, desenhador e criador da revista Mad. Crumb considera a revista uma das suas maiores influências no seu trabalho. Será nas páginas da Help! que ele irá desenvolver o personagem Fritz, O Gato, uma criação de infância. Muitos artistas que mais tarde formariam parte do movimento contra-cultural cómico junto com Crumb (como Skip Williamson, Gilbert Shelton ou Jay Lynch) também trabalhariam na revista Help!.
Zap Comix, o nascimento dos comics underground
Foi também em São Francisco, no início de 1968, que Crumb publicaria o primeiro número do seu fanzine Zap Comix, considerada como o registo do nascimento do chamado comics underground ou comix. Durante este período, Crumb andou no mundo das drogas, e criou nessa altura alguns dos seus mais famosos personagens, incluindo Mr. Natural.
Zap Comix tornou-se um grande êxito da noite para o dia, e conseguiu atrair a atenção do público. Infelizmente também atraiu a atenção das associações feministas, que se queixaram repetidamente de que as mulheres nos comics de Crumb não eram mais que meros objetos sexuais.
Crumb fez a capa de Cheap Thrills de Janis Joplin
Durante esses anos, encontramos o seu trabalho dividido entre dezenas de revistas underground, entre elas Uneeda, Big Ass, Motor City Comics, Oz Magazine, Dirty Laundry, XYZ e muitas outras; em 1968 Fritz, The Cat consegue um espaço definitivo na revista Cavalier, de onde salta para a fama, sendo também nesta época que Crumb desenha a famosa capa para o disco Cheap Thrills de Janis Joplin and The Big Brother & The Holding Company, passando a ser conhecido em todo o mundo. Mas Crumb não se sente à vontade sendo o centro das atenções, de modo que, cansado de se ver exposto publicamente resolve retirar-se “ Nem pensar! Não queria aparecer no Saturday Night Live, os Rolling Stones queriam que desenhasse para eles a capa de um álbum, tive um par de propostas assim. Depois de um ano de reconhecimento, da estupidez da fama e tudo isso, empenhei-me a desenhar nas minhas revistas as parte mais obscuras da minha personalidade, algo que até então se mantinha sempre oculto.”
Crumb e sua obsessão de colecionar discos de 78 rpm
Desde o princípio dos anos de 1970, Crumb instala-se na Califórnia onde, além de desenhar, desenvolve outra obsessão: a busca compulsiva por discos antigos de 78 rpm, formando uma gigantesca colecção. Fruto da sua paixão pela música negra antiga (blues, jazz, honky tonk, etc.), não foi em vão que passou muito tempo da sua adolescência visitando as casas de velhos negros sulistas em busca de gravações em vinil dos seus antepassados: “Quando ouvia música antiga era uma das poucas vezes que sentia uma espécie de amor pela humanidade. É como ouvir o que há de melhor na alma da gente normal. É a sua forma de expressar a conexão com a eternidade o como queira chamá-lo. A música moderna não é assim, é uma perda lamentável que o povo já não consiga expressar-se. Nos anos 20 e 30, antes da explosão da cultura de massa e dos instrumentos elétricos, surgiram nos Estados Unidos e Europa um grande números de companhias discográficas que gravavam música em discos de 78 rpm. Havia música de dança, blues, jug bands (grupos que tocam instrumentos não convencionais como jarras, bico de garrafas, etc.), country, folk e jazz. Existia um relação maior entre músico e os ouvintes naqueles dias."
A expressão "Keep On Truckin'" foi inspirada no blues de Blind Boy Fuller
Em 1975, o Ministério das Finanças dos EUA, ameaçou confiscar-lhe a famosa colecção de discos por não pagar os impostos, porém afortunadamente os amigos e fãs de Crumb mandaram-lhe o suficiente em dinheiro para pagar o resgate. Além de servir para lhe dar semelhantes dores de cabeça (e servir para conhecer o arquivista Harvey Pekar, com quem compartilhava afeição pela a música e pelos comics, dando lugar a uma parceria em American Splendor de 1976). A coleção de discos também havia servido de musa inspiradora na criação em 1972 de uma banda de swing, a 'Keep On Truckin Orchestra' (posteriormente mudada para The Cheap Suit Serenaders), composta pelo próprio Crumb (banjo e vocais) e vários dos seus amigos (Bob Armstrong desenhador de comics , Allan Dodge, o produtor Terry Zwigoff, Tom Marion e Bob Brozman). Faziam apresentações frequentes nos clubes muitos prestigiados como o Village Gate de Nova York e The Other Café em São Francisco. Possuíam uma sonoridade country dos anos 1920 e 1930 de raízes sulistas associada a letras divertidas e absurdas.
"Keep On Truckin" ficou em domínio público
A partir de 1978 começam a editar vários livros de bolso do artista, pagando com os benefícios obtidos pela publicação a enorme dívida que contraiu no passado com os impostos; será neste mesmo que Crumb conhece aquela que se tornaria sua segunda e actual esposa, a desenhadora de comics Aline Kominsky, juntos iriam ter uma filha. Em Março de 1981 (depois de colaborar em diversas antologias) decide editar os seus próprios trabalhos, surgindo a revista Weirdo (para a qual desenhou grande parte de sua produção dos anos de 1980 e coordenou juntamente com Aline vinte edições). Mais tarde surge a Hup (1987), outra publicação desta vez com a editora independente Kitchen Sink, nas mãos do conhecido editor Dennis Kitchen, que desde 1978 já havia compilado muito do trabalho de Crumb na sua revista independente Mondo Snarfo.
Se durante os anos de 1970 Crumb exorcizava os demónios da sua própria fama através de toda uma série de revistas alternativas e minoritárias, nos anos de 1980 lutou (com a característica auto-flagelação) contra a ideia alimentada de que já havia passado o melhor de sua vida e obra. Todo o trabalho que tinha feito até então, era um prova irrefutável de que nunca perdeu o seu talento.
De facto, em meados dessa década a carreira de Crumb conquistou um grande reconhecimento público quando os seus desenhos começaram a aparecer em revistas de tiragem nacional como Newsweek, People, etc... incluindo uma aparição na televisão britânica BBC. O seu trabalho esteve exposto numa das mais prestigiosas galerias de arte de Nova York sob o título “Psycadelic Solution”, enquanto que em 1990 o Museu de Arte Moderna de Nova York incluí o seu trabalho numa exposição chamada “High & Low” junto com trabalhos de outros famosos desenhadores. Para ele ainda era pouco, começa a colaborar em prestigiosas revistas como a Raw (dirigida por Art Spiegelman), enquanto que (paralelamente a realização de suas revistas) inicia uma sóbria carreira como ilustrador de CD's, coleções de discos antigos e baralhos de antigos bluesmen como os dos livros de Bukowski (O capitão saiu para comer e os marinheiros tomaram o barco, 1993) ou Zane Mairowitz (Kafka para principiantes, 1994).
Capa de 'There's a Fungus amung us' de Earl Hooker
Os anos noventa conheceram um Crumb já desencantado com a vida nos Estados Unidos, de modo que em 1993 muda-se permanentemente da Califórnia para um pequeno povoado no sul da França onde vive feliz e tranquilamente com Aline e a sua filha Sophie (as quais adora e venera em muitas de suas historietas) numa casa de campo. Em 1995 edita duas edições sob o título de Self Loathing Comics, em ambas conta-nos as experiências da sua também peculiar vida diária no povoado francês de Aveyron. Será premiado em 1999 (em reconhecimento a sua obra e trajetória) com o prestigioso Grande Prémio do Festival de BD de Angouleme. Será o presidente do júri no ano seguinte. Em abril de 1995 estreia “Crumb”; produzido por David Linch e dirigido pelo seu amigo e violoncelista nos Cheap Suit Serenaders, Terry Zwigoff. Este filme/documentário faz uma deliciosa e detalhada dissecação da vida e obra do artista pela mão do próprio Crumb, que aborda a sua singular idiossincrasia e a sua particular visão do mundo que o rodeia. Mostra as suas paixões e obsessões mais recorrentes.
Crumb e a sua segunda paixão: a boa música
Mesmo que com a idade ele tenha acalmado, já não se droga há muito tempo, dedicando-se à sua filha e apostando num crescimento espiritual através da meditação, Robert Crumb inquieta-se “regularmente” graças à sua imaginação febril e alucinada por mais que passem os anos. O que é positivo num mundo onde reina a uniformidade mental e global, onde tanto ele como nós vivemos. Actualmente (e por infortúnio) desenha cada vez menos BD ainda que (para compensar) aparecem com mais frequência livros com os seus esboços e ilustrações mais intimistas, como são "Miettes" (Migalhas), The R. Crumb Handbook (que inclui a autobiografia, uma enorme recopilação de vinhetas e um CD com gravações do próprio Crumb acompanhado por grupos diferentes realizadas entre 1972 e 2003). Os numerosos Crumb’s Sketchbook (diários ilustrados) ou Waiting for Food e Waiting For Breakfast, todos eles são magníficas amostras de um humor mais irónico, refinado e comedido, ou se quisermos, simplesmente mais maduro e meditativo.